"Deus se fez homem para que o homem se tornasse Deus.
Atanásio
"o Milagre Central afirmado pelos cristãos é a
Encarnação...”
C. S. Lewis
Atanásio
é considerado um dos maiores teólogos da igreja cristã. Exerceu o bispado de
Alexandria, sua terra de origem. Durante os debates em relação à divindade de
Jesus Cristo ele foi intransigente no combate ao arianismo, que perdurou por
pelo menos cinco décadas, pois eles não aceitavam que Jesus continha as duas
naturezas divina e humana. Sua defesa tornou-se a base da teologia cristã que
ainda é aceita em todas as vertentes genuinamente cristã.
Muito
cedo ele sentiu-se vocacionado para a vida clerical, por seis anos ele exerceu
a função de leitor o qual exigia uma vida devocional ilibada e um conhecimento
básico das Escrituras. Em época de um número elevado de analfabetismo e de
ausência de equipamento de som, o leitor tornava-se uma figura relevante.
Quando se início aos embates com o arianismo Atanasio já estava exercendo a
função de diácono (23 anos), portanto, já fazia parte do clero junto com padres
e bispos. Tinha uma tripla função: auxiliar na elaboração da liturgia, fazer as
leituras bíblicas e quando convidado podia também expor a homilia daquele dia.
Pesquisadores
entendem que já neste tempo Atanásio escreveu ao menos duas obras “Contra os
Gentios” e “Sobre a Encarnação”. Nesta segunda obra ele expõe pontos
cardeais de sua teologia. Ele enfatiza a encarnação como o meio de
salvação e o outro lado desta mesma moeda é a plenitude da divindade de
Jesus Cristo. Em sua encarnação Cristo assume a plenitude de nossa humanidade e
na sua divindade ele mantém a sua unicidade com o Pai e o Espírito Santo, desta
forma, em Jesus Cristo (o apóstolo Paulo amava esta expressão “em Cristo”)
de maneira que Ele traz o genuíno conhecimento do Pai, e provê vida eterna no
lugar da morte. Nestas obras germinais ele já fundamentava toda sua teologia em
defesa da unidade ontológica da substância (homoousios) do Pai e do Filho e por
conseguinte do Espírito Santo. Para ele o arianismo era uma espécie de
politeísmo cristão, pois Jesus Cristo era adorado como um deus menor (tese
ainda adota pelos Testemunhas de Jeová). Seguindo o raciocínio deles o papel de
Cristo no processo da nossa salvação torna-se secundário, uma vez, que somente
Deus criador pode de fato realizar uma nova criação. Isso era inaceitável para
Atanásio, mas muito aceitável por inúmeros teólogos no transcorrer da história
da igreja, incluindo os nossos dias.
Ainda
como coadjuvante (secretário) do bispo Alexandre, o jovem Atanásio desempenhou
um papel fundamental nos bastidores do Concílio de Nicéia (325)[1], uma vez que ele não sendo
bispo não poderia ter voz no plenário. Embora sendo um diácono, surpreendeu a
todos os conciliares pela sua capacidade de manter-se firme nas mais difíceis e
duras discussões teológicas, onde revela a cada embate um conhecimento profundo
das Escrituras, que seus adversários têm cada vez mais dificuldade de se opor. Em
razão do hercúleo esforço de Atanasio, o Concílio afirmou (alguns dizem
confirmou) a divindade plena de Cristo contra a tese do arianismo. O Credo
Niceno assim definiu a divindade de Cristo: “o Filho de Deus, gerado unigênito
do Pai, isto é, da substância do Pai; Deus de Deus, luz de luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial ao
Pai”. Podemos sempre descansar no fato de que para cada Ário que se levanta com
ideias contrárias ao genuíno ensino bíblico, Deus em sua providência perfeita
suscita um Atanasio (Agostinho, Lutero, Calvino...).
Com a
morte do bispo Alexandre, logo após a promulgação do Credo Niceno, o jovem Atanásio
(com apenas 30 anos) foi escolhido para sucedê-lo no bispado de Alexandria.
Desde o início e durante todo o período restante de sua vida ele foi
contestado, tendo em Eusébio de Nicomédia (não confundir com Eusébio de
Cesareia) um órfão do arianismo, que lutava para reverter o resultado conclusivo
do concílio de Niceia e para isso tentou de todas as formas, inclusive
ilícitas, desacreditar o então bispo Atanasio.
Acusando-o
sistematicamente diante do imperador Constantino, que se aborrecia facilmente
com as questões teológicas e em seu afã de promover a unidade da igreja (seu
instrumento de poder e dominação) acabou por ceder aos opositores e baniu
Atanasio, sob acusação de heresia e perturbação da ordem pública. Essa foi
primeira de uma série de cinco banimentos, e a cada vez Atanasio retornava
ainda mais forte e convicto de seus posicionamentos teológicos. Seus opositores
o apelidaram de "Anão Negro" foi a etiqueta que seus inimigos lhe
deram, em decorrência de ser um bispo egípcio de pele escura e baixa estatura.[2] Mas na história ele se
constituiu em um gigante da teologia ortodoxia cristã que estava sendo
estabelecida.
Em
certa ocasião sendo influenciado por pessoas de seu círculo pessoal o imperador
Constantino ordena que Atanasio (em seus primeiros anos como bispo de
Alexandria) recebesse Ário (que havia sido exilado) em sua Congregação, com o
risco de degradação e banimento se desobedecesse. Atanasio simplesmente
responde ao Imperador que não poderia receber uma pessoa que havia sido
condenado (Concílio de Niceia) por toda a Igreja. Diante da postura dele Constantino
o exilou para o posto avançado mais afastado do Império Romano no Ocidente: a
cidade alemã de Treveris.
Nos
quarenta e seis anos em que exerceu seu episcopado em Alexandria (328 a 373),
então um dos maiores centros do cristianismo antigo, Atanasio enfrentou os mais
duros embates teológicos e políticos da igreja cristã antiga. Além do imperador
Constantino, seus sucessores Constâncio, Juliano, Valente tentaram se livrar
dele, ou reduzi-lo ao silêncio. Também tem que enfrentar os órfãos de Ário, os
cismáticos melecianos (do mentor Melécio de Licópolis), assim
como os extremistas intransigentes do próprio concilio de Nicéia. Quase
dezesseis anos de seu episcopado foram passados em exílios.
Com
toda razão temos que concordar com o grande historiador da igreja Gonzales
que expressando um consenso da maioria dos teólogos cristãos afirmam: “Atanásio
foi, sem dúvida alguma, o bispo mais notável que chegou a ocupar a antiga sé de
Alexandria e (...) foi também o maior teólogo de seu tempo”.
Uma de
suas obras mais conhecida hoje é “Sobre a Encarnação do Verbo” – escrito
ainda em sua juventude, que trata na verdade mais sobre a divindade do Filho
antes dele assumir a nossa humanidade, do que sobre a encarnação propriamente
dita. O que não tira o mérito da obra é que serviu de fundamentação para as
teses consequentes da perfeita divindade de Cristo.
Atanásio
faleceu em 373, aos 77 anos, sendo considerado um dos pais da Ortodoxia Cristã
e um dos mais importantes doutores da Igreja.
Utilização
livre desde que citando a fonteGuedes,
Ivan PereiraMestre
em Ciências da Religião.Universidade
Presbiteriana Mackenzieme.ivanguedes@gmail.comOutro
BlogReflexão
Bíblica
Artigos
Relacionados
História
da Igreja Cristã - Imperador Constantino: Herói ou Vilão
História
da Igreja Cristã - Contexto Inicial
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/2016/10/historia-da-igreja-crista-pode.html
História
Igreja Cristã: Divergências e Controvérsias Internas https://historiologiaprotestante.blogspot.com/2017/04/historia-igreja-crista-divergencias-e.html?spref=tw
Os
Primeiros Movimentos Eclesiásticos na Igreja Cristã https://historiologiaprotestante.blogspot.com/2017/08/os-primeiros-movimentos-eclesiasticos.html?spref=tw
Quadro
Sintético dos Sete Concílios Cristão Ecumênicos https://historiologiaprotestante.blogspot.com/2017/07/quadro-sintetico-dos-sete-concilios.html?spref=tw
As Primeiras Escolas de Interpretação - Escola de
Alexandria
https://historiologiaprotestante.blogspot.com/2018/10/as-primeiras-escolas-de-interpretacao.html
Referências
Bibliográficas
FERGUSON,
Everett. História da Igreja: dos dias de Cristo à Pré-Reforma - Volume 1. Editora
Central Gospel Ltda: Rio de Janeiro, 2017
GONZALEZ,
Justo L. Uma história do pensamento cristão. V.1. Tradução Paulo
Arantes, Vanuza Helena Freire de Mattos. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
__________,
Dicionário ilustrado dos intérpretes da fé. Tradução Reginaldo Gomes de
Araújo. Santo André, SP: Editora Academia Cristã Ltda, 2005.
HURST,
John Fletcher y ROPERO, Afonso. Historia geral del Cristianismo – desde los
Orígenes a nuestros días. Espanha: Editorial CLIE, 2008.
LEWIS,
C. S. Miracles. Nova Iorque: Touchstone, 1996 repr. 1947. [p.143].
ORSON,
Roger E. História da teologia cristã: 2.000 anos de tradição e reformas. Tradução
Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida, 2001.
SANTO
ATANÁSIO. Contra os pagãos - A encarnação do Verbo - Apologia ao imperador
Constâncio - Apologia de sua fuga - Vida e conduta de S. Antão. São
Paulo: Paulus, 2002. [Patrística vol. 18]. Está coleção é relevante para quem
deseja estudar mais a fundo a História da Igreja.
O
Credo de Atanásio - Paulo Anglada, Sola Scriptura: A Doutrina
Reformada das Escrituras (São Paulo: Os Puritanos, 1998), 180-82.
O
Credo Niceno – Paulo Anglada, Sola Scriptura : A Doutrina
Reformada das Escrituras (São Paulo: Os Puritanos, 1998), 179-80.
[1]
Considerado o mais importante dos Concílios dos primeiros séculos da Igreja
Cristã. Realizado na cidade de Bitínia, contando com representantes de todas as
partes da cristandade, incluindo a Índia, que enviaram seu bispo. Alcançou um número
expressivo de trezentos bispos tendo em sua conclusão a presença do Imperador
Constantino, que havia convocado o Concílio.
[2]
Apenas Justo Gonzales faz essa citação entre aspas, mas não sita a fonte de sua
afirmativa. Certamente Atanásio não era branco/loiro, pois era egípcio e
portanto, no mínimo de pela escura. Certamente seus adversários focaram em sua
pequena estatura e ampliaram a cor de sua pele.