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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

PROTESTANTISMO: A Reforma na Inglaterra - os Presbiterianos

English Presbyterian Church, Regent Square London


O movimento de Reforma Religiosa (Reforma Protestante) iniciada pelo monge alemão Martinho Lutero (1517) e suas 95 teses, produziu desdobramentos inimagináveis e transformou completamente o cristianismo europeu.
Um destes desdobramentos foi a mudança ocorrida na Inglaterra, que sempre havia sido uma aliada fiel ao catolicismo romano e ao Papa. Mas o rei Henrique VIII acaba por romper com o sistema católico romano, motivado por questões unicamente pessoais e estabelece uma igreja nacional – a Igreja da Inglaterra e/ou Anglicana. Henrique VIII não foi contagiado pelas propostas teológicas reformadas, ao contrario, na sua perspectiva politica o protestantismo continha elementos perigosos para o regime monárquico, portanto na Igreja Anglicana o rei substituiu a função do Papa e os dogmas praticamente permaneceram católicos romanos. Com sua morte assume seu filho ainda menor Eduardo VI que influenciado por tutores de mentalidade reformada amplia as reformas religiosas do pai e introduz algumas mudanças significativas no contexto cúltico-teológico, mas sua morte precoce impedem que as mudanças sejam aprofundadas  e consolidadas. Assume o trono inglês Maria I que arraigada no catolicismo romano promove imediato retorno aos conceitos católicos e submissão às orientações do Papa romano, o que acabou por gerar inúmeras revoltas com suas subsequentes consequências com a morte de inúmeras pessoas. Mas o reinado de Maria I também foi breve e coube à sua meio irmã Elizabete I a árdua tarefa de encontrar uma forma religiosa que pudesse conciliar os diversos segmentos da sociedade inglesa. Será em seu longo reinado que a Igreja Anglicana haverá de estabelecer os dogmas teológicos e as estruturas eclesiásticas que haverão de permanecerem até os dias atuais.
Todavia, uma unidade religiosa ou mesmo eclesiástica harmoniosa estava longe de ser uma realidade na Inglaterra elisabetana. Um forte movimento separatista estava em plena ebulição, sendo liderados pelos defensores ferrenhos de uma reforma mais profunda da igreja. Eles receberam a alcunha de “Puritanos[1] que veio a se constituir em um grande guarda-chuva para os diversos grupos dissidentes congregacionais, presbiterianos, batistas e posteriormente os metodistas que proliferava nas entranhas da Igreja Anglicana. Seus líderes eram aqueles que durante o reinado de Maria I haviam se refugiado em outros países, principalmente Genebra e que haviam respirado uma atmosfera de reformas muito mais profundas do que a que Elisabete I estava realizando, entre o quais se destaca os adeptos do sistema eclesiástico presbiteriano, que se contrapunha ao sistema episcopal adotado pela Igreja Anglicana, que segundo eles representava um forte e perigoso resquício do sistema católico romano e por isso deveria ser abolido (GONZÁLES, 2004, p. 296).
A estrutura eclesiástica episcopal fora mantida por Henrique VIII e definitivamente estabelecida por sua filha Elizabete I, pois desejam manter uma igreja controlada pelo Estado, uma vez que os bispos eram nomeados pela coroa, de maneira que, como destaca Matos (2000, p. 51), o sistema presbiteriano “representava uma proposta revolucionária, pois preconizava uma igreja governada por presbíteros docentes e regentes, eleitos pelos fiéis e reunidos em concílios”, alcançando assim uma autonomia em relação a interferência e controle do Estado. Por esta causa, tanto Elizabete I quanto seus sucessores, Tiago I (1603-1625) e Carlos I (1625-1649), que governaram tanto a Inglaterra quanto a Escócia, combateram violentamente esta proposta eclesiástica.
Apenas em um pequeno período, após a guerra civil em que o rei Carlos I foi morto, os Puritanos assumiram o poder civil da Inglaterra e os presbiterianos conseguiram implantar o seu sistema eclesiástico na Inglaterra, quando o Parlamento convocou a Assembleia de Westminster (1643-1649) que estabeleceu os chamados “padrões presbiterianos” de culto, governo e doutrina, através da elaboração da Confissão de Fé de Westminster. Mas assim que Carlos II assumiu o trono, em 1660, o sistema episcopal foi restabelecido, e os presbiterianos e demais grupos separatistas passaram a sofrer forte repressão. (MATOS, 2000, p. 53).
Todavia, dentro do movimento reformado separatista (puritano) não se falava a mesma língua. Algumas lideranças chegaram à conclusão que o sistema eclesiástico oriundo do Novo Testamento era congregacionalista[2] e que o presbiterianismo era apenas mais uma concessão. Outros foram mais longe e defendiam uma igreja totalmente autônoma e cujos membros deveriam ser apenas os adultos, rejeitando o batismo infantil, e concluindo que o batismo deveria ser somente por imersão, de maneira que vieram a serem denominados de batistas,[3] que por sua vez se subdividiam em dois grupos, os batistas gerais que rejeitavam a doutrina calvinista da predestinação e os batistas particulares que mantiveram esta doutrina conforme os argumentos desenvolvidos por João Calvino (GONZÁLES, 2004, p. 298).
Uma questão teológica fundamental que foi desenvolvida nas entranhas puritana foi o conceito Federal ou do Pacto, que tinha no cerne a ideia de que a predestinação de Deus não era um ato impessoal e mecânico, mas que a salvação deve ser apropriada pela fé, de maneira que se torna irredutivelmente pessoal. Mendonça destaca este ponto:
Embora os dispositivos do calvinismo continuassem presentes, como a iniciativa divina na concessão da graça e a ênfase no ascetismo, havia um elemento novo: a iniciativa humana e pessoal na apropriação dessa graça. Surge assim uma valorização do homem e da pessoa. (1984, p. 36).
 Este ingrediente teológico do individualismo que inicialmente serviu para confrontar os sistemas episcopais, tanto romanos como anglicanos, acabou com o tempo permeando todo o pensamento protestante inglês. A confissão de Westminster tornou-se a promotora deste conceito pactual. Os presbiterianos, principalmente de origem escocês e posteriormente irlandês, tornaram-se um povo do Pacto. Quando de sua transposição para América do Norte este conceito do Pacto extrapola as fronteiras da religião e torna-se uma ideologia do povo americano e vai estabelecer o fundamento do conceito ideológico do chamado “Destino Manifesto” (MENDONÇA, 1984, p. 37, 54-57).
Desta forma, como afirmou Collinson: “Em seu desenvolvimento secundário e terciário a Reforma inglesa produziu uma variedade de inconformismos divergentes e em longo prazo um futuro de pluralismo religioso”. (2000, p.152).
É esse pluralismo protestante, denominado posteriormente de denominações protestantes, que desembarcam no Brasil oficialmente a partir do século XIX e rapidamente se espalharam por todo o país.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
ivanpgds@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/


Referência Bibliográfica
ARMESTO-FERNÁNDES, Felipe e WILSON, Derek. Reforma: o cristianismo e o mundo 1500-2000. Trad. Celina Cavalcante Falck. Rio deJaneiro: Record, 1997.
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COLLINSON, Patrick. A Reforma. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2006.
DANIEL-ROPS. A igreja da renascença e da reforma I: a reforma protestante. São Paulo: Ed. Quadrante, 1996, p. 435.
DREHER, MARTIN N. A crise e a renovação da igreja no período da Reforma. São Leopoldo: Sinodal, 1996. (Coleção História da Igreja, v.3).
FISHER, Jorge P. Historia de la reforma Barcelona: Ed. CLIE, 1984.
FISHER, Joachim H. Reforma – renovação da igreja pelo evangelho. São Leopoldo: Ed. Sinodal e EST, 2006.
GONZALES, Justo L. Uma história do pensamento cristão, v. 3. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma história do cristianismo - volume II: 1500 a 1975 a.D. São Paulo: Editora Hagnos, 2006.
LINDSAY, Tomas M. Historia de la Reforma, v.2, ed. La Aurora e Casa unida de Publicaciones, 1959.
MATOS, Alderi Souza de. Simonton e as bases do presbiterianismo no Brasil, apud Série Colóquios, v. 3, Simonton 140 anos de Brasil. São Paulo: Ed. Mackenzie, 2000.
MENDONÇA, Antonio Gouvêia. O celeste porvir - a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: Ed. Paulinas, 1984.
PEREIRA, João Baptista Borge. "Identidade protestante no Brasil ontem e hoje". In BIANCO. Gloecir: NICOLINI. Marcos (orgs.). Religare: identidade, sociedade e
espiritualidade.
São Paulo: Ali Print Editora. 2005.
POLLARD, Albert Frederick. Thomas Cranmer and the and the english reformation (1489-1556). London : G. P. Putnam’s Sons, 1906.
Zabriskie, Alexander C. Anglican Evangelicalism. Philadelphia, 1999.






[1] Movimento Puritano - Separatistas: termo aplicado ao puritano inglês Robert Browne (c.1550-1633) e seus seguidores, que se separaram da Igreja da Inglaterra. Mais tarde foi aplicado aos Congregacionais ingleses e outros grupos que formaram suas próprias igrejas. Não-separatistas: os puritanos anglicanos, aqueles que não queriam separar-se da igreja oficial, mas procuravam reformá-la. Os fundadores de Salem e Boston (1629-1630) estavam nessa categoria. Independentes: nos séculos 17 e 18, os adeptos da forma de governo Congregacional, em contraste com o governo episcopal da igreja estatal inglesa. Dissidentes: aqueles que se retiraram da igreja nacional da Inglaterra (Anglicana) por motivos de consciência. O termo inclui Congregacionais, Presbiterianos e Batistas.
[2] O reformador polaco Jan Laski (†1560), ainda nos dias do rei Eduardo VI, introduziu na Inglaterra o sistema de governo eclesiástico congregacional. O Congregacionalismo é o regime de governo mais comum em denominações como Anabatistas, Igreja Batista, Discípulos de Cristo, Igreja de Cristo no Brasil e obviamente a própria denominação que deu nome ao termo: a Igreja Congregacional.
[3] Surgidos a partir de 1607 sob a liderança de John Smyth e Thomas Helwys que fundou em 1612 a primeira igreja batista geral.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

PROTESTANTISMO - A Reforma na Inglaterra - Elizabete I (1558-1603)

Com a morte de Maria Tudor (1553-1558) sua sucessora é Elizabete, filha da decapitada Ana Bolena. Diferentemente de seus antecessores, ela haveria de tornar-se a mais longínqua e vitoriosa governante da Inglaterra (1558-1603). Seu nome e seu reinado esta perpetuado na história da Inglaterra como um dos períodos mais esplendorosos e profícuos seja na proliferação da literatura, na expansão comercial e consequente aumento da riqueza, consequência direta de seu domínio sobre os mares à custa de impor a mais estrondosa derrota a até então imbatível armada espanhola de Filipe II (LATOURETTE, 2006, p. 1096).
Esse longo tempo de governo aliado a todos estes fatores positivos lhe proporcionou a oportunidade de consolidar de uma vez para sempre a Igreja inglesa, como tão bem descreve Giacomo Martina:
Unia extraordinários dotes de governo a um autêntico cinismo em sua vida privada. Com uma segura intuição, ela conduziu o país pela estrada que nos séculos seguintes levaria a Inglaterra ao ápice de sua potência política e econômica: industrialização, com apoio, sobretudo às indústrias têxteis, hegemonia naval subtraída à Espanha e ciosamente guardada e defendida contra qualquer ameaça, expansão colonial, desenvolvimento comercial em escala mundial e proteção oferecida a todos os que lutavam contra o imperialismo espanhol. A Inglaterra se tornava assim, ao mesmo tempo, a campeã da resistência contra o catolicismo. Com Elizabeth I o protestantismo se firmou definitivamente na Inglaterra, e desde então o amor à pátria e a fidelidade à dinastia reinante se uniram estreitamente à hostilidade em relação ao papado e ao catolicismo, a ponto de se tomar um dos componentes essenciais da alma inglesa, pelo menos ate o século XIX. (1995, p. 150).
Hábil negociadora e perspicaz em analisar seus adversários e aliados, ela foi construindo um reinado fundamentado no equilíbrio das forças políticas e religiosas. Sabia, como seu pai e outros monarcas poderosos, que não poderia abrir mão do controle absoluto da Igreja e muito menos da fonte renda advinda dela,[1] mas teve a sensibilidade de não fazê-lo sem que antes conquistasse um amplo apoio de seu povo e do Parlamento.
Para isso teve que equilibrar as forças entre católicos e protestantes dentro da Igreja da Inglaterra.
“Ela não poderia esperar agradar a ambos, os católicos romanos e os protestantes extremados, mas poderia alcançar (e alcançou) um estabelecimento que provou ser aceitável para a maioria dos ingleses de sua época e que, sem alterações básicas, caracterizaria a Igreja da Inglaterra dali por diante” (LATOURETTE, 2006, p. 1.097).
Em 1559 promulga o Ato de Supremacia, resgatando sua plena autoridade sobre a Igreja da Inglaterra, e para não insuflar reações maiores, por parte do clero totalmente masculino, substitui a expressão “Cabeça Supremo”, por “Suprema governadora deste reino, e de todos os outros domínios e países, assim como em todas as coisas espirituais ou eclesiásticas ou cousas temporais”.
Também, por meio do Parlamento, restaura o Ato de Uniformidade, com alterações significativas do Segundo Livro de Oração Comum produzido no reinado de seu irmão EduardoVI (1547-1553), decretando sua obrigatoriedade em todas as atividades religiosas, bem como estabelecendo em lei a obrigatoriedade da frequência nos cultos. O casamento de clérigos, sempre uma questões efervescente, tornou-se possível desde que com autorização expressa do bispo, duas magistraturas de paz e dos pais da noiva. Ela combateu os excessos religiosos místicos, bem como toda sorte de simonia.
Todavia, faltava um ponto fundamental para o estabelecimento definitivo da Igreja da Inglaterra. Elizabete não foge ao desafio estabelecendo os Trinta e Nove Artigos da Religião, que era uma variação dos Quarenta e Dois Artigos do reinado anterior de Eduardo, cujos aspectos teológicos “ainda que levemente atenuada mediante sua orientação e mais bem luterana que a diferenciava do calvinismo estrito dos ‘quarenta e dois artigos’” (CASALIS, p. 153).  É promulgado em 1571 e a subscrição é compulsória por parte de todos os clérigos, com pena da perda das funções religiosas.
Duas obras acadêmicas foram produzidas com o intuito de construir uma base eclesiástica para a nova igreja. A primeira foi elaborada por John Jewel intitulada “Apologia ecclesiae anglicanae” (1562) e a segunda, de maior envergadura, produzida por Hooker com o titulo de “Laws of elcesiasticalpolity”, que oferecia uma base para defesa do anglicanismo diante dos ataques advindos do catolicismo quanto dos puritanos.
Com um longo reinado e uma politica forte Elizabete consegue impor a Igreja Anglicana, dando-lhe uma estrutura e forma de adoração, bem como uma afirmação de fé que agradou à grande maioria do povo inglês, evitando assim as terríveis guerras civis que seus vizinhos experimentaram. Mas, os extremistas tanto católicos quanto reformados, continuavam insatisfeitos.


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
ivanpgds@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/


Referências Bibliográficas
ARMESTO-FERNÁNDES, Felipe e WILSON, Derek. Reforma: o cristianismo e o mundo 1500-2000. Trad. Celina Cavalcante Falck. Rio deJaneiro: Record, 1997.
AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração do indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro. Piracicaba; Editora UNIMEP/Exodus, 1996, p.63).
BOISSET, J. História do protestantismo. São Paulo: Difusão Européia, 1971.
DANIEL-ROPS. A igreja da renascença e da reforma I: a reforma protestante. São Paulo: Ed. Quadrante, 1996, p. 435.
DREHER, MARTIN N. A crise e a renovação da igreja no período da Reforma. São Leopoldo: Sinodal, 1996. (Coleção História da Igreja, v.3).
FISHER, Jorge P. Historia de la reforma. Barcelona: Ed. CLIE, 1984.
FISHER, Joachim H. Reforma – renovação da igreja pelo evangelho. São Leopoldo: Ed. Sinodal e EST, 2006.
HAIGH, Christopher. English Reformations: religion, politics, and Society under the Tudors. England: Oxford, 1987.
HILLERBRAND, Hans Joachim. The division of Christendon: Christianity in the sixteenth century. Louisville, Kentucky: Published by Westminster John Knox Press, 2007.
LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma história do cristianismo - volume II: 1500 a 1975 a.D. São Paulo: Editora Hagnos, 2006.
LINDSAY,Tomas M. Historia de la Reforma, v.2, ed. La Aurora e Casa unida de Publicaciones, 1959.
MARTINA, Giacomo. História da Igreja – de Lutero a nossos dias: I período da reforma. São Paulo: Edições Loyola, 1995.
PEREIRA, João Baptista Borge. "Identidade protestante no Brasil ontem e hoje". In BIANCO. Gloecir: NICOLINI. Marcos (orgs.). Religare: identidade, sociedade e
espiritualidade. São Paulo: Ali Print Editora. 2005.
POLLARD, Albert Frederick. Thomas Cranmer and the and the english reformation (1489-1556). London : G. P. Putnam’s Sons, 1906.
WALKER, Williston. História da Igreja Cristã, ed. JUERP/ASTE, v.2, 3ª ed. Rio de Janeiro, 1981.
Zabriskie, Alexander C. Anglican Evangelicalism. Philadelphia, 1999.

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[1] Latourette desta este aspecto: “Ela [Elizabete] manteve alguns de seus bispados vagos por anos e se apropriou de seus rendimentos. Diversos postos eclesiásticos eram pagos pelos seus designados por alienar porções de suas dotações.” (2006, p. 1097).

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Contexto da Reforma Protestante: Entendendo Corretamente os Termos

Martinho Lutero defende suas teses na Dieta Worms
                Pelo menos sete Dietas teve lugar nessa cidade alemã

Em 1517, um jovem monge alemão chamado Martinho Lutero elaborou uma relação de questionamentos em relação ao ensino e divulgação da chamada indulgência, um documento com autoridade Papal que possibilitava às pessoas que a adquirisse o perdão de seus pecados e até mesmo o resgate de entes queridos que porventura estivesse no purgatório, um lugar intermediário, criado pela Igreja, em que o morto ficava antes de ser lançado definitivamente no inferno. Esta lista de questionamentos ficou famosa pelo nome de “as noventa e cinco teses”, que Martinho Lutero afixou à porta da igreja do castelo de Wittenberg.[1]
Sem qualquer dúvida essa foi uma ação corajosa, visto que Lutero não tinha uma expressão maior dentro da estrutura da Igreja, era professor em uma Universidade pequena e não detinha qualquer titulo de nobreza. No décimo sexto século a Igreja Cristã era a Instituição mais poderosa do Ocidente, de maneira que reis e imperadores não ousavam lhe enfrentar ou questionar; havia apenas uma expressão de fé oficial em toda a Europa: o Catolicismo Romano, liderado implacavelmente pela sucessão de Papas em Roma.
O protesto deste monge agostiniano[2] deu inicio a uma série de desdobramentos que extrapolou em muito o propósito primário de sua iniciativa, que era apenas chamar atenção para os absurdos da venda sem escrúpulos das famigeradas indulgências.  Mas sua pequena iniciativa culminou com o maior movimento de reforma religiosa já vista na História da Igreja Cristã Ocidental, que tantos antes dele sonharam e morreram sem alcança-la.  
A partir deste movimento religioso a Igreja Cristã passou a se expressar em dois blocos distintos e conflitantes: católicos romanos e protestantes, dicotomia que ainda perdura até os dias atuais. Este evento, conhecido como “Reforma Religiosa e/ou Reforma Protestante”, tem sido objeto de estudo por mais pesquisadores do que quase qualquer outro assunto. Essa Reforma tem exercido um fascínio sobre dezenas de milhares de estudiosos ao longo de vários séculos e não há nenhum sinal de que esse interesse tenha declinado nos dias atuais, principalmente pela proximidade de completar seus 500 anos.
Neste pequeno texto quero apenas destacar e conceituar alguns termos relacionados a este evento histórico, tendo o propósito de vislumbrar um pouco o contexto e as circunstâncias em que esses termos ocorreram.

“Reforma”
Primariamente o termo “Reforma” é um conceito neutro usado para descrever qualquer processo histórico indistintamente. Os aspectos mais relevantes desta “Reforma” ocorrida no século dezesseis é que um grande número de cristãos em diversos países da Europa, como: Alemanha, Suíça, Escandinávia, Holanda e Grã-Bretanha se desvincularam do Catolicismo e constituíram igrejas cristãs autônomas, que assumiram o termo Reformadas para distingui-las da Igreja Romana.
Mas se faz necessário nos deter um pouco mais no exame do termo “Reforma”. Essa palavra forjada na bigorna do tempo, desperta um sentimento imediato de que as mudanças por ela produzidas foram para melhor e foram para endireitar o que estava errado. Durante estes quase 500 anos em que se estuda a História da Europa do século XVI, o termo “Reforma” tem sido utilizado como propaganda para as igrejas cristãs advindas deste movimento.
Todavia, o termo “Reforma" não foi usado neste sentido quer no tempo em que os fatos eclodiram, ou mesmo no transcorrer dos muitos anos posteriores. Veio a ser assim identificada e popularizada apenas no século XVIII por historiadores protestantes na Alemanha que passaram a ser referir indistintamente e sem qualquer questionamento de que a "Reforma" havia sido um processo pelo qual um grande número de cristãos genuínos, incapazes de aceitar os abusos generalizados da Igreja Romana, romperam seus vínculos para formar sua própria igreja purificada.
Evidente que hoje o termo com essa significação já esta cristalizada na mente e nas páginas da literatura histórica, de maneira que inibe qualquer outra significação. O máximo que se tem conseguido é a utilização do termo Reforma Religiosa, que é mais amplo, visto que o movimento desde seu gênesis abalou todo o sistema religioso cristão europeu.
Desta forma, quando utilizamos o termo “Reforma”, precisamos estar cientes de que endossamos um conceito histórico pejada de um número expressivo de pressupostos e julgamentos de valor simultaneamente.

            Protestante
Assim como o termo “Reforma”, a palavra "protestante" pode confundir a nossa compreensão do período. Esta palavra foi originalmente usada para descrever os príncipes alemães que formalmente endossaram as propostas reformadoras de Lutero e "protestaram" contra a Igreja Católica na Dieta Imperial[3] (Parlamento) de Speyer, em 1529. Como resultado, 'protestante' é muitas vezes usado para significar a mesma coisa como "luterana". Isso é enganoso, pois 'protestante' era um termo geral para qualquer um que fizesse ou expressasse oposição aos ensinamentos da Igreja Católica. A 'luterana' é um termo específico para um tipo de Protestante, que seguiu os ensinamentos de Martinho Lutero em particular, de modo que todos os luteranos eram protestantes, mas nem todos os protestantes eram luteranos. Havia outros tipos de protestantes também - por exemplo, os que adotaram os princípios elaborados por Zwinglio (muitos grupos batistas), os que optaram pelos ensinos de Calvino (calvinistas, entre os quais os presbiterianos), os que avançaram ainda mais nas propostas de “Reforma” e compunham o bloco dos chamados radicais (anabatistas,[4] menonitas[5]), bem como os que aderiram à Igreja da Inglaterra (anglicanismo).
Desta forma, se faz necessário estudar o período para nos certificarmos de que estamos usando os termos corretamente, dentro de seu devido contexto. A palavra “Protestante” deve ser utilizada somente quando desejamos nos referir aos diversos movimentos que tinham em comum sua oposição à Igreja Romana, caso contrário corre-se o risco de induzir à ideia equivocada de que todos os “Protestantes” compartilhavam de um mesmo conjunto de conceitos e interpretações uníssono, o que qualquer verificação ainda que superficial testemunha que nunca foi uma realidade. Evidente que todos os “Reformados” compartilham de pontos em comum, mas também é verdadeiro que sempre tiveram e mantiveram conceitos teológicos e eclesiásticos distintos.

           Alemanha
Em 1500 “Alemanha” era um termo geral utilizado para se referir a uma vasta área geográfica. O país que hoje conhecemos como Alemanha somente passou a ser uma realidade a partir de 1871, que até então a Alemanha pertencia ao grande "Sacro Império Romano"[6], que cobria grande parte da região central europeu. Era presidido por um Imperador que podia convocar uma Dieta[7] sempre que fosse conveniente e em qualquer cidade que lhe fosse favorável. No entanto, na prática, o Sacro Imperador Romano tinha poderes limitados. Primeiramente, o seu poder era limitado pela "doutrina das duas espadas”, onde havia uma dupla distinção nas esferas de poder: o Papa detinha o controle total da religião no Império (a espada “religiosa”), enquanto o Imperador exercia o poder político (a “espada secular”). Um segundo fator de limitação é que o Império se constituía de uma fragmentada constelação de mais de 300 Estados Independentes, vilas e cidades imperiais livres que em grande parte decidiam seus próprios assuntos internos. Isso significava que era extremamente complexo conciliar em uma Dieta qualquer tipo de acordo sobre questões importantes - e ainda mais complexo implementar as suas decisões, se e quando se alcançava um acordo.
Por esta razão politica-econômico-geográfica as ideias protestantes foram rapidamente sendo assimilados por grande parte dos Estados Independentes alemães que passaram a dar sustentação ao monge alemão Martinho Lutero e suas teses críticas do sistema religioso vigente.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
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[1] Wittenberg (oficialmente: Lutherstadt Wittenberg) é uma cidade da Alemanha, localizada no estado de Saxônia-Anhalt.
[2] A Ordem de Santo Agostinho (em latim Ordo Sancti Augustini, OSA) é uma ordem religiosa católica de frades mendicantes que seguem a linha de pensamento de Santo Agostinho. Seus membros são denominados frades agostinianos ou agostinhos.
[3] O termo Reichstag compõe-se das palavras alemãs Reich ("império", "país") e tag (que aqui não significa dia, mas é derivada do verbo tagen, "reunir-se"). Em português, costuma-se traduzi-lo por Dieta ou Dieta Imperial.
[4] Anabaptistas ou Anabatista ("re-batizadores", do grego ανα (novamente) + βαπτιζω (baptizar); em alemão: Wiedertäufer) são cristãos sectários do Anabatismo, a chamada "ala radical" da Reforma Protestante. Os Anabatistas não formavam um único grupo ou igreja, pois havia diversos grupos chamados genericamente de "anabatistas" com crenças e práticas diferentes e divergentes. Em seu livro “In Nomine Dei” José Saramago romanceia o período de 1532 a 1535 cujos personagens são anabatistas da cidade alemã de Munster.
[5] Tem o seu nome derivado do teólogo frísio Menno Simons (1496-1561), que através dos seus escritos articulou e formalizou os ensinos dos anabatistas suíços. Segundo estimativas de 2009, há mais de 1,6 milhões de menonitas espalhados pelo mundo todo.
[6] O Sacro Império Romano-Germânico (em alemão Heiliges Römisches Reich; em latim Sacrum Romanum Imperium) foi a união de territórios da Europa Central durante a Idade Média, durante toda a Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea sob a autoridade do Sacro Imperador Romano, tendo como marco fundante a coroação de Carlos Magno comoo o primeiro Sacro Imperador Romano, coroado em 25 de dezembro de 800 d.C.
[7] Em política, a Dieta, aproxima-se do que era uma Corte, é uma assembleia deliberativa oficial de alguns Estados. Seu uso corrente é mais histórico, embora algumas instituições parlamentares modernas ainda recebam este nome.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

FICHÁRIO [Referências] Teses de Doutorado Relacionadas ao Protestantismo Brasileiro

Desde a década de 70 do século XX, por meio de seus centros acadêmicos, há um grande esforço no Brasil para fazer uma abordagem do protestantismo aqui implantado, despida de apologética e eufemismo, no que concerne ao campo religioso brasileiro, reforçando a relevância dos estudos sobre religião e a sua relação com a cultura e sociedade contemporânea.
Ainda que germinal a bibliografia acadêmica nesta área de pesquisa do protestantismo brasileiro tem crescido continuamente e com qualidade, como se pode perceber no quadro abaixo elaborado por Sérgio Ribeiro Santos[1]. Nesta postagem estão as Teses de Doutorado e na próxima serão mencionadas as Teses de Mestrado, que se constituem em importantes fontes de pesquisa para todos os interessados na questão do protestantismo nacional.
As obras estão organizadas por área de pesquisa acadêmica: Antropologia, Ciências da Religião, Comunicação, Educação, História e Sociologia. Seria muito interessante e oportuno que pudessemos somar a esse esforço inicial do Sérgio e ampliassemos as referências bibliograficas com outras pesquisas de nosso conhecimento, de maneira a formarmos uma ampla base de fontes para futuras pesquisas.

Me. Ivan Pereira Guedes





TÍTULO
AUTOR
ÁREA
IES
ANO
1.  “De bem com a vida”. O sagrado num mundo em transformação: um estudo sobre a igreja Renascer em Cristo e a presença evangélica na sociedade brasileira contemporânea.
Carlos Tadeu Siepierski
Antropologia
USP
2001
2.  Relações raciais no protestantismo recifense.
Rosa Maria de Aquino
Antropologia
UFPE
2006
3.  A vontade sob o impacto da pós-modernidade. A fé interpelando a fragmentação da vontade.
Jessé Pereira da Silva
C. da Religião
UMESP
2007
4.  Por uma sociologia na produção e reprodução musical do presbiterianismo brasileiro: a tendência gospel e sua influência no culto.
Jacqueline Ziroldo Dolghie
C. da Religião
UMESP
2007
5.  Literatura de auto-ajuda cristã: em busca da felicidade ainda na terra e não para o céu.
Daniela Borja Bessa
C. da Religião
PUC/SP
2008
6.  Rastros e rostos do protestantismo brasileiro: uma historiografia de mulheres metodistas.
Margarida Fátima Souza Ribeiro
C. da Religião
UMESP
2008
7.  “Vinho novo em odres velhos”. Um olhar comunicacional sobre a explosão gospel no cenário religioso evangélico no Brasil.
Magali do Nascimento Cunha
Comunicação
USP
2004
8.  Presbiterianos do Sul em Campinas: primórdios da educação liberal.
Jorge Uilson Clark
Educação
UNICAMP
2005
9.  As outras faces do sagrado: protestantismo e cultura na Primeira República brasileira
Lyndon de Araújo Santos
História
UNESP
2004
10.   A posição política da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) nos anos de chumbo (1964-1985).
Eduardo Guilherme de Maria Paigle
História
UFSC
2006
11.   A produção musical evangélica no Brasil.
Érica de Campos Vicentini
História
USP
2007
12.   “Delas é o reino dos céus”: Mídia evangélica infantil na cultura pós-moderna do Brasil (anos 1950-2000).
Karina Kosicki Bellotti
História
UNICAMP
2007
13.   Pentecostalismo e religiosidade brasileira.
Emiliano Unzer
História
USP
2007
14.   A ordem social em crise. A inserção do protestantismo em Pernambuco (1860-1891).
João Marcos Leitão
História
USP
2008
15.   A salvação do Brasil: as missões protestantes e o debate político religioso do século XIX.
Rodrigo da Nóbrega Moura Pereira.
História
UERJ
2008
16.   A fé moldando comportamentos: história cultural dos presbiterianos de Fortaleza.
Francisco Agileu de Lima Gadelha
História
UFPE
2008
17.   “Entre a sacristia e o laboratório”. Os intelectuais protestantes brasileiros e a produção da cultura (1903-1942).
Éber Ferreira Silveira Lima
História
UNESP
2008
18.   A fé moldando comportamentos: história cultural dos presbiterianos de Fortaleza.
Francisco Agileu de Lima Gadelha
História
UFPE
2008
19.   Imprensa protestante na Primeira República. Evangelismo, informação e produção cultural. O Jornal Batista (1901-1922).
Ana Lúcia Collyer Adamovicz
História
USP
2008
20.   “Vaqueiros de Deus” e a expansão do protestantismo pelo sertão cearense nas primeiras décadas do século XX.
Robério Américo do Carmo Souza
História
UFF
2008
21.   A imprensa evangélica no Brasil. O papel formativo dos jornais batistas, presbiterianos e metodistas.
Andréa Braga Fonseca Feuchard
História
UERJ
2010
22.   As Boas-Novas pela palavra impressa: impressos e imprensa no Brasil (1837-1930).
Micheline Reinaux de Vasconcelos
História
PUC/SP
2010
23.   Escritos nas fronteiras: Os livros de história do protestantismo brasileiro (1928-1982).
Tiago Hideo Barbosa Watanabe
História
UNESP
2011
24.   Cristãos em confronto: discórdias entre intelectuais religiosos num Estado não confessional (Brasil, 1890-1960).
Edilson Soares de Souza
História
UFPR
2012
25.   O respeito à lei e à ordem: presbiterianos e o governo militar no Brasil (1964-1985).
Silas Luiz de Souza
História
UNESP
2013
26.   Discursos e práticas da Igreja Presbiteriana do Brasil durante as décadas de 1960 e 1970.
Márcio Ananias Ferreira Vilela
História
UFPE
2014
27.   Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment.
Paul Freston
Sociologia
UNICAMP
1993
28.   Mulheres em Revista. Uma sociologia da compreensão do feminino no Brasil Presbiteriano (1994-2002).
Breno Martins Campos
Sociologia
PUC/SP
2006
29.   Protestantismo e modernidade no Brasil
Valdinei Aparecido Ferreira
Sociologia
USP
2008
30.   “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convém”: representações sobre a sexualidade entre solteiros evangélicos.
Maria Goreth Santos
Sociologia
UERJ
2008
31.   Poder e memória: o autoritarismo na Igreja Presbiteriana do Brasil o período da Ditadura Militar.
Valdir Gonzales Paixão Júnior.
Sociologia
UNESP
2008
32.   “Audiência do Espírito Santo”: música evangélica, indústria fonográfica e produção de celebridades no Brasil.
Robson Rodrigues de Paula
Sociologia
UERJ
2008
33.   “A demanda por Deuses”: religião, globalização e cultura locais.
Paulo Gracino de Souza Júnior
Sociologia
UERJ
2010
34.   O imaginário protestante e o Estado de Direito.
Glauco Barreira Magalhães Filho
Sociologia
UFPA
2010
35.   “No princípio era... a visão”: Carisma e performance nas novas comunidades protestantes.
Napoleão Marcos de Moura Mendes
Sociologia
UFCE
2011

[1] Docente da Universidade Cuiabá. - https://www.facebook.com/sergio.ribeirosantos.3