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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Contexto da Reforma Protestante: Entendendo Corretamente os Termos

Martinho Lutero defende suas teses na Dieta Worms
                Pelo menos sete Dietas teve lugar nessa cidade alemã

Em 1517, um jovem monge alemão chamado Martinho Lutero elaborou uma relação de questionamentos em relação ao ensino e divulgação da chamada indulgência, um documento com autoridade Papal que possibilitava às pessoas que a adquirisse o perdão de seus pecados e até mesmo o resgate de entes queridos que porventura estivesse no purgatório, um lugar intermediário, criado pela Igreja, em que o morto ficava antes de ser lançado definitivamente no inferno. Esta lista de questionamentos ficou famosa pelo nome de “as noventa e cinco teses”, que Martinho Lutero afixou à porta da igreja do castelo de Wittenberg.[1]
Sem qualquer dúvida essa foi uma ação corajosa, visto que Lutero não tinha uma expressão maior dentro da estrutura da Igreja, era professor em uma Universidade pequena e não detinha qualquer titulo de nobreza. No décimo sexto século a Igreja Cristã era a Instituição mais poderosa do Ocidente, de maneira que reis e imperadores não ousavam lhe enfrentar ou questionar; havia apenas uma expressão de fé oficial em toda a Europa: o Catolicismo Romano, liderado implacavelmente pela sucessão de Papas em Roma.
O protesto deste monge agostiniano[2] deu inicio a uma série de desdobramentos que extrapolou em muito o propósito primário de sua iniciativa, que era apenas chamar atenção para os absurdos da venda sem escrúpulos das famigeradas indulgências.  Mas sua pequena iniciativa culminou com o maior movimento de reforma religiosa já vista na História da Igreja Cristã Ocidental, que tantos antes dele sonharam e morreram sem alcança-la.  
A partir deste movimento religioso a Igreja Cristã passou a se expressar em dois blocos distintos e conflitantes: católicos romanos e protestantes, dicotomia que ainda perdura até os dias atuais. Este evento, conhecido como “Reforma Religiosa e/ou Reforma Protestante”, tem sido objeto de estudo por mais pesquisadores do que quase qualquer outro assunto. Essa Reforma tem exercido um fascínio sobre dezenas de milhares de estudiosos ao longo de vários séculos e não há nenhum sinal de que esse interesse tenha declinado nos dias atuais, principalmente pela proximidade de completar seus 500 anos.
Neste pequeno texto quero apenas destacar e conceituar alguns termos relacionados a este evento histórico, tendo o propósito de vislumbrar um pouco o contexto e as circunstâncias em que esses termos ocorreram.

“Reforma”
Primariamente o termo “Reforma” é um conceito neutro usado para descrever qualquer processo histórico indistintamente. Os aspectos mais relevantes desta “Reforma” ocorrida no século dezesseis é que um grande número de cristãos em diversos países da Europa, como: Alemanha, Suíça, Escandinávia, Holanda e Grã-Bretanha se desvincularam do Catolicismo e constituíram igrejas cristãs autônomas, que assumiram o termo Reformadas para distingui-las da Igreja Romana.
Mas se faz necessário nos deter um pouco mais no exame do termo “Reforma”. Essa palavra forjada na bigorna do tempo, desperta um sentimento imediato de que as mudanças por ela produzidas foram para melhor e foram para endireitar o que estava errado. Durante estes quase 500 anos em que se estuda a História da Europa do século XVI, o termo “Reforma” tem sido utilizado como propaganda para as igrejas cristãs advindas deste movimento.
Todavia, o termo “Reforma" não foi usado neste sentido quer no tempo em que os fatos eclodiram, ou mesmo no transcorrer dos muitos anos posteriores. Veio a ser assim identificada e popularizada apenas no século XVIII por historiadores protestantes na Alemanha que passaram a ser referir indistintamente e sem qualquer questionamento de que a "Reforma" havia sido um processo pelo qual um grande número de cristãos genuínos, incapazes de aceitar os abusos generalizados da Igreja Romana, romperam seus vínculos para formar sua própria igreja purificada.
Evidente que hoje o termo com essa significação já esta cristalizada na mente e nas páginas da literatura histórica, de maneira que inibe qualquer outra significação. O máximo que se tem conseguido é a utilização do termo Reforma Religiosa, que é mais amplo, visto que o movimento desde seu gênesis abalou todo o sistema religioso cristão europeu.
Desta forma, quando utilizamos o termo “Reforma”, precisamos estar cientes de que endossamos um conceito histórico pejada de um número expressivo de pressupostos e julgamentos de valor simultaneamente.

            Protestante
Assim como o termo “Reforma”, a palavra "protestante" pode confundir a nossa compreensão do período. Esta palavra foi originalmente usada para descrever os príncipes alemães que formalmente endossaram as propostas reformadoras de Lutero e "protestaram" contra a Igreja Católica na Dieta Imperial[3] (Parlamento) de Speyer, em 1529. Como resultado, 'protestante' é muitas vezes usado para significar a mesma coisa como "luterana". Isso é enganoso, pois 'protestante' era um termo geral para qualquer um que fizesse ou expressasse oposição aos ensinamentos da Igreja Católica. A 'luterana' é um termo específico para um tipo de Protestante, que seguiu os ensinamentos de Martinho Lutero em particular, de modo que todos os luteranos eram protestantes, mas nem todos os protestantes eram luteranos. Havia outros tipos de protestantes também - por exemplo, os que adotaram os princípios elaborados por Zwinglio (muitos grupos batistas), os que optaram pelos ensinos de Calvino (calvinistas, entre os quais os presbiterianos), os que avançaram ainda mais nas propostas de “Reforma” e compunham o bloco dos chamados radicais (anabatistas,[4] menonitas[5]), bem como os que aderiram à Igreja da Inglaterra (anglicanismo).
Desta forma, se faz necessário estudar o período para nos certificarmos de que estamos usando os termos corretamente, dentro de seu devido contexto. A palavra “Protestante” deve ser utilizada somente quando desejamos nos referir aos diversos movimentos que tinham em comum sua oposição à Igreja Romana, caso contrário corre-se o risco de induzir à ideia equivocada de que todos os “Protestantes” compartilhavam de um mesmo conjunto de conceitos e interpretações uníssono, o que qualquer verificação ainda que superficial testemunha que nunca foi uma realidade. Evidente que todos os “Reformados” compartilham de pontos em comum, mas também é verdadeiro que sempre tiveram e mantiveram conceitos teológicos e eclesiásticos distintos.

           Alemanha
Em 1500 “Alemanha” era um termo geral utilizado para se referir a uma vasta área geográfica. O país que hoje conhecemos como Alemanha somente passou a ser uma realidade a partir de 1871, que até então a Alemanha pertencia ao grande "Sacro Império Romano"[6], que cobria grande parte da região central europeu. Era presidido por um Imperador que podia convocar uma Dieta[7] sempre que fosse conveniente e em qualquer cidade que lhe fosse favorável. No entanto, na prática, o Sacro Imperador Romano tinha poderes limitados. Primeiramente, o seu poder era limitado pela "doutrina das duas espadas”, onde havia uma dupla distinção nas esferas de poder: o Papa detinha o controle total da religião no Império (a espada “religiosa”), enquanto o Imperador exercia o poder político (a “espada secular”). Um segundo fator de limitação é que o Império se constituía de uma fragmentada constelação de mais de 300 Estados Independentes, vilas e cidades imperiais livres que em grande parte decidiam seus próprios assuntos internos. Isso significava que era extremamente complexo conciliar em uma Dieta qualquer tipo de acordo sobre questões importantes - e ainda mais complexo implementar as suas decisões, se e quando se alcançava um acordo.
Por esta razão politica-econômico-geográfica as ideias protestantes foram rapidamente sendo assimilados por grande parte dos Estados Independentes alemães que passaram a dar sustentação ao monge alemão Martinho Lutero e suas teses críticas do sistema religioso vigente.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
ivanpgds@gmail.com
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[1] Wittenberg (oficialmente: Lutherstadt Wittenberg) é uma cidade da Alemanha, localizada no estado de Saxônia-Anhalt.
[2] A Ordem de Santo Agostinho (em latim Ordo Sancti Augustini, OSA) é uma ordem religiosa católica de frades mendicantes que seguem a linha de pensamento de Santo Agostinho. Seus membros são denominados frades agostinianos ou agostinhos.
[3] O termo Reichstag compõe-se das palavras alemãs Reich ("império", "país") e tag (que aqui não significa dia, mas é derivada do verbo tagen, "reunir-se"). Em português, costuma-se traduzi-lo por Dieta ou Dieta Imperial.
[4] Anabaptistas ou Anabatista ("re-batizadores", do grego ανα (novamente) + βαπτιζω (baptizar); em alemão: Wiedertäufer) são cristãos sectários do Anabatismo, a chamada "ala radical" da Reforma Protestante. Os Anabatistas não formavam um único grupo ou igreja, pois havia diversos grupos chamados genericamente de "anabatistas" com crenças e práticas diferentes e divergentes. Em seu livro “In Nomine Dei” José Saramago romanceia o período de 1532 a 1535 cujos personagens são anabatistas da cidade alemã de Munster.
[5] Tem o seu nome derivado do teólogo frísio Menno Simons (1496-1561), que através dos seus escritos articulou e formalizou os ensinos dos anabatistas suíços. Segundo estimativas de 2009, há mais de 1,6 milhões de menonitas espalhados pelo mundo todo.
[6] O Sacro Império Romano-Germânico (em alemão Heiliges Römisches Reich; em latim Sacrum Romanum Imperium) foi a união de territórios da Europa Central durante a Idade Média, durante toda a Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea sob a autoridade do Sacro Imperador Romano, tendo como marco fundante a coroação de Carlos Magno comoo o primeiro Sacro Imperador Romano, coroado em 25 de dezembro de 800 d.C.
[7] Em política, a Dieta, aproxima-se do que era uma Corte, é uma assembleia deliberativa oficial de alguns Estados. Seu uso corrente é mais histórico, embora algumas instituições parlamentares modernas ainda recebam este nome.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

FICHÁRIO [Referências] Teses de Doutorado Relacionadas ao Protestantismo Brasileiro

Desde a década de 70 do século XX, por meio de seus centros acadêmicos, há um grande esforço no Brasil para fazer uma abordagem do protestantismo aqui implantado, despida de apologética e eufemismo, no que concerne ao campo religioso brasileiro, reforçando a relevância dos estudos sobre religião e a sua relação com a cultura e sociedade contemporânea.
Ainda que germinal a bibliografia acadêmica nesta área de pesquisa do protestantismo brasileiro tem crescido continuamente e com qualidade, como se pode perceber no quadro abaixo elaborado por Sérgio Ribeiro Santos[1]. Nesta postagem estão as Teses de Doutorado e na próxima serão mencionadas as Teses de Mestrado, que se constituem em importantes fontes de pesquisa para todos os interessados na questão do protestantismo nacional.
As obras estão organizadas por área de pesquisa acadêmica: Antropologia, Ciências da Religião, Comunicação, Educação, História e Sociologia. Seria muito interessante e oportuno que pudessemos somar a esse esforço inicial do Sérgio e ampliassemos as referências bibliograficas com outras pesquisas de nosso conhecimento, de maneira a formarmos uma ampla base de fontes para futuras pesquisas.

Me. Ivan Pereira Guedes





TÍTULO
AUTOR
ÁREA
IES
ANO
1.  “De bem com a vida”. O sagrado num mundo em transformação: um estudo sobre a igreja Renascer em Cristo e a presença evangélica na sociedade brasileira contemporânea.
Carlos Tadeu Siepierski
Antropologia
USP
2001
2.  Relações raciais no protestantismo recifense.
Rosa Maria de Aquino
Antropologia
UFPE
2006
3.  A vontade sob o impacto da pós-modernidade. A fé interpelando a fragmentação da vontade.
Jessé Pereira da Silva
C. da Religião
UMESP
2007
4.  Por uma sociologia na produção e reprodução musical do presbiterianismo brasileiro: a tendência gospel e sua influência no culto.
Jacqueline Ziroldo Dolghie
C. da Religião
UMESP
2007
5.  Literatura de auto-ajuda cristã: em busca da felicidade ainda na terra e não para o céu.
Daniela Borja Bessa
C. da Religião
PUC/SP
2008
6.  Rastros e rostos do protestantismo brasileiro: uma historiografia de mulheres metodistas.
Margarida Fátima Souza Ribeiro
C. da Religião
UMESP
2008
7.  “Vinho novo em odres velhos”. Um olhar comunicacional sobre a explosão gospel no cenário religioso evangélico no Brasil.
Magali do Nascimento Cunha
Comunicação
USP
2004
8.  Presbiterianos do Sul em Campinas: primórdios da educação liberal.
Jorge Uilson Clark
Educação
UNICAMP
2005
9.  As outras faces do sagrado: protestantismo e cultura na Primeira República brasileira
Lyndon de Araújo Santos
História
UNESP
2004
10.   A posição política da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) nos anos de chumbo (1964-1985).
Eduardo Guilherme de Maria Paigle
História
UFSC
2006
11.   A produção musical evangélica no Brasil.
Érica de Campos Vicentini
História
USP
2007
12.   “Delas é o reino dos céus”: Mídia evangélica infantil na cultura pós-moderna do Brasil (anos 1950-2000).
Karina Kosicki Bellotti
História
UNICAMP
2007
13.   Pentecostalismo e religiosidade brasileira.
Emiliano Unzer
História
USP
2007
14.   A ordem social em crise. A inserção do protestantismo em Pernambuco (1860-1891).
João Marcos Leitão
História
USP
2008
15.   A salvação do Brasil: as missões protestantes e o debate político religioso do século XIX.
Rodrigo da Nóbrega Moura Pereira.
História
UERJ
2008
16.   A fé moldando comportamentos: história cultural dos presbiterianos de Fortaleza.
Francisco Agileu de Lima Gadelha
História
UFPE
2008
17.   “Entre a sacristia e o laboratório”. Os intelectuais protestantes brasileiros e a produção da cultura (1903-1942).
Éber Ferreira Silveira Lima
História
UNESP
2008
18.   A fé moldando comportamentos: história cultural dos presbiterianos de Fortaleza.
Francisco Agileu de Lima Gadelha
História
UFPE
2008
19.   Imprensa protestante na Primeira República. Evangelismo, informação e produção cultural. O Jornal Batista (1901-1922).
Ana Lúcia Collyer Adamovicz
História
USP
2008
20.   “Vaqueiros de Deus” e a expansão do protestantismo pelo sertão cearense nas primeiras décadas do século XX.
Robério Américo do Carmo Souza
História
UFF
2008
21.   A imprensa evangélica no Brasil. O papel formativo dos jornais batistas, presbiterianos e metodistas.
Andréa Braga Fonseca Feuchard
História
UERJ
2010
22.   As Boas-Novas pela palavra impressa: impressos e imprensa no Brasil (1837-1930).
Micheline Reinaux de Vasconcelos
História
PUC/SP
2010
23.   Escritos nas fronteiras: Os livros de história do protestantismo brasileiro (1928-1982).
Tiago Hideo Barbosa Watanabe
História
UNESP
2011
24.   Cristãos em confronto: discórdias entre intelectuais religiosos num Estado não confessional (Brasil, 1890-1960).
Edilson Soares de Souza
História
UFPR
2012
25.   O respeito à lei e à ordem: presbiterianos e o governo militar no Brasil (1964-1985).
Silas Luiz de Souza
História
UNESP
2013
26.   Discursos e práticas da Igreja Presbiteriana do Brasil durante as décadas de 1960 e 1970.
Márcio Ananias Ferreira Vilela
História
UFPE
2014
27.   Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment.
Paul Freston
Sociologia
UNICAMP
1993
28.   Mulheres em Revista. Uma sociologia da compreensão do feminino no Brasil Presbiteriano (1994-2002).
Breno Martins Campos
Sociologia
PUC/SP
2006
29.   Protestantismo e modernidade no Brasil
Valdinei Aparecido Ferreira
Sociologia
USP
2008
30.   “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convém”: representações sobre a sexualidade entre solteiros evangélicos.
Maria Goreth Santos
Sociologia
UERJ
2008
31.   Poder e memória: o autoritarismo na Igreja Presbiteriana do Brasil o período da Ditadura Militar.
Valdir Gonzales Paixão Júnior.
Sociologia
UNESP
2008
32.   “Audiência do Espírito Santo”: música evangélica, indústria fonográfica e produção de celebridades no Brasil.
Robson Rodrigues de Paula
Sociologia
UERJ
2008
33.   “A demanda por Deuses”: religião, globalização e cultura locais.
Paulo Gracino de Souza Júnior
Sociologia
UERJ
2010
34.   O imaginário protestante e o Estado de Direito.
Glauco Barreira Magalhães Filho
Sociologia
UFPA
2010
35.   “No princípio era... a visão”: Carisma e performance nas novas comunidades protestantes.
Napoleão Marcos de Moura Mendes
Sociologia
UFCE
2011

[1] Docente da Universidade Cuiabá. - https://www.facebook.com/sergio.ribeirosantos.3