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terça-feira, 14 de abril de 2015

A Formação da Segunda Igreja Presbiteriana de São Paulo

O Bairro da Luz (1897) antes da construção da Estação de Trem (1903)
onde funcionou uma Igreja Presbiteriana (1890)

            Desde 5 de março de 1865 funciona oficialmente a PrimeiraIgreja Presbiteriana de São Paulo, estabelecida pelos esforços do missionário americano Rev. Alexander L. Bleckford, um dos pioneiros que chegaram no Brasil.
            Essa Primeira Igreja Presbiteriana caminha firme e forte em sua expansão e consolidação. Após a morte precoce do missionário Ashbel Green Simonton, o Rev. Bleckford precisa assumir a Primeira Igreja no Rio de Janeiro, quem o sucede em São Paulo é o Rev. George W. Chamberlain e quando ele precisa ir para os Estados Unidos fica em seu lugar o Rev. CarlosEduardo Pereira.
            Gradativamente o Rev. Pereira vai assumindo um papel relevante no cenário nacional a partir de seu ministério na Primeira Igreja Presbiteriana em São Paulo. Todavia, por sua personalidade forte e suas ideais de forte cunho nacionalista inicia-se um processo conflitante inicialmente com os missionários americanos e posteriormente com grande parte dos pastores nacionais.       
Diante das acaloradas discussões conciliares e crescente pressão por parte do Rev. Eduardo Carlos Pereira sobre os missionários ligados ao Colégio Protestante, que já começa a utilizar o nome Mackenzie, o Presbitério de São Paulo libera estes missionários a iniciarem novas congregações em outros bairros da capital paulista, com vistas à formação de uma futura segunda igreja quando houvesse condições (MATOS, 2004, p. 139).
            O Rev. William A. Waddell, que havia chegado em 1890 e que foi um dos fundadores do Ginásio Mackenzie e do Mackenzie College, e que também implantou a Escola de Engenharia, sendo seu primeiro diretor, após diversos atritos com Rev. Eduardo Pereira, fazendo uso da liberação do Presbitério inicia em 1893 atividades no bairro da Luz, à Rua da Conceição, 58, com cultos e classes dominicais tendo o apoio das professoras da Escola Americana (MATOS, 2004, pp. 131-137).
            Quase que simultaneamente, com diferença de apenas alguns meses, outro missionário o Rev. Frederik J. Perkins, que havia chegado ao Brasil em 1891 e arrolado ao Presbitério de São Paulo em 1892, abre uma nova frente de trabalho no bairro da Liberdade à Rua da Glória, 98 (MATOS, 2004, p. 139).
            Havendo grandes afinidades entre ambos os missionários e os respectivos membros das pequenas comunidades e diante das dificuldades em se manter os dois trabalhos, bem como antevendo a necessidade de se estabelecer outra igreja forte em São Paulo, chega-se à conclusão, em reunião locada em uma sala da Rua da Conceição no dia 18 de outubro de 1893, que o melhor a se fazer era unificar as atividades eclesiásticas. Assim no dia 26 de novembro de 1893 celebra-se pela primeira vez a ceia e duas congregações dissidentes dão forma à Segunda Igreja Presbiteriana de São Paulo. No ano seguinte, 1894, a nascente igreja fixa-se na Alameda dos Bambus (atual Avenida Rio Branco).
            No início de 1894 assume o pastorado da recém-formada Segunda Igreja o Rev. Modesto Perestrello Barros de Carvalhosa. Havia sido arrolado como membro da Igreja Presbiteriana, por batismo e profissão de fé, pelo Rev. Blackford, portanto fez parte daquele grupo pioneiro do trabalho em São Paulo, além disto, incentivado por Blackford foi um dos quatro primeiros pastores formados pelo Seminário Primitivo, fundado por Simonton no Rio de Janeiro. Portanto, ele tinha uma ligação umbilical com os missionários americanos, o que o colocava em oposição direta ao nacionalismo extremado do Rev. Pereira, perfazendo assim o velho, mas sempre atual conflito de gerações, alimentado pelo fato de que Carvalhosa havia sido preterido, na eleição do Rev. Carlos Pereira, como pastor da Primeira Igreja, conforme registramos anteriormente.
            Em 1898 depois de muitos desgastes Carvalhosa resolve desligar-se do Presbitério de São Paulo, que naquele momento estava sobre forte influência de Pereira que contava com apoio de ampla maioria, no que foi acompanho pela Segunda Igreja, que passa a denominar-se “Igreja Presbiteriana Independente”.[2] A reconciliação veio somente em 1900, quando o Rev. Pereira já não tinha mais a mesma influência no Presbitério, voltando a utilizar novamente o nome de Segunda Igreja de São Paulo. (MATOS, 2004, pp. 310-315).
            Apesar do nome sugestivo “Filadelfa”[3] e não “Filadelfia” e que traz a ideia de um espírito de fraternidade, a realidade da formação desta nova Igreja Presbiteriana na capital paulista é bem mais conturbada. Se a Segunda Igreja fora resultado dos litígios do Rev. Pereira com os missionários e com o Colégio, a formação da Igreja Presbiteriana Filadelfa é resultante dos litígios dele com as lideranças e membresia que estavam envolvidos com a maçonaria.[4]
            Evidente que nem todas as pessoas que formaram a Filadelfa eram maçons, mas de uma forma indireta, via familiar ou por consideração, estas pessoas não se sentiam mais à vontade para continuarem a fazer parte da Primeira Igreja, pois a pressão exercida pelo Rev. Pereira era crescente, tipo, “ame ou deixe”.
            Quem pastoreou inicialmente este pequeno grupo dissidente foi Rev. José Zacarias de Miranda e Silva. Após seu batismo feito pelo Rev. Edward Lane, em Itapira, interior de São Paulo, mudou-se com a família para a capital paulista. Sua esposa foi a primeira pessoa a fazer profissão de fé na “Sala Grande” da Escola Americana, que naquele momento harmoniosamente compartilhava o mesmo espaço com a Primeira Igreja, conforme mencionado em artigo anterior. Zacarias estudou teologia com o Rev. John B. Howell na Escola Americana, na qual lecionou diversas matérias e ainda trabalhava como alfaiate e musico profissional para sustentar a família. Tornou-se membro da Primeira Igreja em 1878 e licenciado em 1880, tendo como contemporâneo de licenciatura Eduardo Carlos Pereira. A ordenação de Zacarias ocorreu em Brotas no dia 22 de outubro de 1880.
            Em 1888 torna-se membro do Presbitério de São Paulo e em 1895 volta a residir em São Paulo e torna-se redator gerente de O Estandarte,[5] jornal fundado três anos antes pelo amigo Rev. Eduardo Carlos Pereira. Sua esposa e filhos tornam-se membros da Primeira Igreja, mas ele continua pastoreando seu campo no interior de São Paulo.
            A longa amizade que Zacarias tinha com Pereira não suportou o fardo pesado da questão maçônica, e o Rev. Zacarias de Miranda sendo maçom, ainda que posteriormente desligou-se da Loja,[6] deixa seu campo de Sorocaba e juntamente com o Rev. Francisco Lotufo, que após 1903 filia-se a Igreja Presbiteriana Independente, passa a pastorear este pequeno grupo dissidente da Primeira Igreja, em 22 de setembro de 1899, inicialmente com 24 membros, mas que rapidamente alcança o numero de 42, demonstrando a força maçônica. Ainda por fazer um ano de existência a Filadelfa uniu-se a então Segunda Igreja, do Rev. Modesto Carvalhosa, que havia retornado ao Presbitério, conforme mencionado anteriormente, para formar a Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo, que desta forma torna-se a maior e mais influente comunidade maçonizante do presbiterianismo paulistano e brasileiro. O Rev. Zacarias[7] permanece como co-pastor desta nova igreja até início de 1907, período posterior ao Grande Cisma.
            Compreendo o esforço que Olivetti faz para defender a ideia de que a Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo é resultado de uma união ou como ele prefere uma fusão e não de uma divisão, em suas palavras:
"Foram fundadas duas congregações, uma no bairro da Luz, outra no da Liberdade. E assim foram ocorrendo os fatos que redundariam na fundação da Unida. Lembremos que esta ocorreu, não em decorrência de divisões, mas de fusão." (2000, pp. 28-29).
Explica-se tal defesa pelo fato da obra de Olivetti não ser de cunho acadêmico, mas um relato histórico comemorativo denominacional. Entretanto, basta apenas uma retrospectiva dos fatos antecedentes, que ele próprio também registra, para compreender-se que as duas Congregações que se uniram e posteriormente a pequena Igreja Filadelfa eram frutos de desgastantes divergências eclesiásticas. Também é compreensível o fato dele não destacar o amoldamento maçônico original da IPUSP.
Porém, é necessário colocar que ao menos duas outras razões positivas que fomentou a junção destas igrejas em 1900:
 A primeira foi justamente o fato de que se fazia urgente e necessário estabelecer uma Igreja forte que pudesse fazer frente aos obstáculos que haveriam de surgir no desenvolvimento do protestantismo presbiteriano em São Paulo, uma vez que a cidade crescia vertiginosamente transformando-se em uma metrópole com toda sua pujança e também com sua força eclesiástica romana. Continuar com a política de estabelecer igrejas pequenas e muitas vezes motivadas apenas por questões pessoais menores, carentes de recursos para se sustentarem e expandirem, seria uma estratégia antropofágica.
A segunda é que se desenhava cada vez mais nítida no cenário presbiteriano uma ruptura, como de fato veio ocorrer em 1903, e se em São Paulo não tivesse uma segunda Igreja Presbiteriana fortemente estabelecida certamente após 1903 sofreria enorme retrocesso e não contribuiria de forma tão profícua com o avanço da denominação, como veio a fazer na própria cidade e estado de São Paulo, bem como na região norte do Paraná e no território brasileiro. Assim, a história comprova que a mudança de estratégia, tendo como marco a formação da Igreja Presbiteriana Unida, foi oportuna e acertada.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
ivanpgds@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/

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Referências Bibliográficas
FISHER, Joachim H. Reforma – renovação da igreja pelo evangelho. São Leopoldo: Ed. Sinodal e EST, 2006.
GUEDES, Ivan Pereira. O protestantismo na cidade de São Paulo – presbiterianismo: primórdios e desenvolvimento do presbiterianismo. Alemanha: Ed. Novas Edições Acadêmicas, 2013.
MAFRA, Clara Cristina Jost. Os evangélicos; IN: Série Descobrindo o Brasil, ZAHAR, Jorge, ed. Rio de Janeiro: 2001.
MATOS, Alderi Souza de. Os pioneiros presbiterianos do Brasil (1859-1900) – missionários, pastores e leigos do século 19. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004.
OLIVETTI, Odair. Igreja Presbiteriana de São Paulo (1900-2000) – na esteira dos passos de Deus. São Paulo: IPUSP/Editora Cultura Cristã, 2000.
RIBEIRO, Boanerges. A Igreja Presbiteriana no Brasil, da autonomia ao cisma. São Paulo: Livraria o Semeador, 1987.
RIVERA, Paulo Barreira. A reinvenção de uma tradição no protestantismo brasileiro – a igreja evangélica brasileira entre a bíblia e a palavra de Deus. IN: PEREIRA, João Baptista Borges (org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade e São Paulo, 2012.




[1] Este artigo é parte do meu livro “O Protestantismo na Cidade de São Paulo – Presbiterianismo” cf. referência bibliográfica.
[2] Ironicamente pouco tempo depois, em 1903, no que ficou denominado na história da IPB como o “Grande Cisma”, os dissidentes haverão de adotar justamente esta nomenclatura para a nova denominação presbiteriana no Brasil.
[3] Léonard faz alusão a este nome diferente: “[...] não sabemos ao certo se nesse nome havia alusão pretendida AP movimento filadelfino do século XVIII, que representou um traço de união entre o protestantismo e as Lojas.” (1981, p. 150). 
[4] A Maçonaria é uma Organização mundial que defende os princípios da liberdade, democracia, igualdade, fraternidade e cujos membros são convidados e selecionados dentro de um perfil estabelecido pela própria Organização, dando assim um caráter privativo e/ou secreto. Grandes expressões da História brasileira, como D. Pedro II, faziam parte da Maçonaria. No momento abordado diversos pastores e líderes da IPB faziam parte dessa Organização que não implicava em renúncia da fé cristã protestante.
[5] Este jornal será mantido após o Grande Cisma como veículo informativo oficial da nova Igreja Presbiteriana Independente doBrasil.
[6] São os locais onde ocorrem periodicamente as reuniões de grupos maçônicos, normalmente conciliados por afinidades ideias comuns. Em uma mesma cidade pode ter mais de uma Loja maçônica.
[7] Sua habilidade em escrever e seus artigos contundentes em defesa do Sínodo em resposta aos ataques proferidos pelos agora então Independentes, o Presbitério de São Paulo lhe presenteou com uma pena de ouro. (MATOS, 2004, pp. 337-342).