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quarta-feira, 12 de agosto de 2015

UM JOVEM PASTOR PRESBITERIANO CHEGA AO BRASIL: Uma divagação


As primeiras luzes da manhã do dia 12 de agosto de 1859 começam a se espalhar e a movimentação no navio aumenta – foram avisados de que se aproximam da costa. Ele se levanta e troca de roupa; começa a arrumar os poucos pertences pessoais que trouxera em sua mala de mão e enquanto o faz lembra-se de sua mãe[1] que com os olhos lagrimosos o fizera na noite anterior ao seu embarque – a saudade bate forte!
O movimento e barulho aumentam na mesma proporção em que o navio se aproxima da costa. Ainda que já houvesse um grande fluxo de navios à vapor circulando pelos mares[2] e apressando as viagens, ele utilizou para essa grande travessia um navio veleiro,[3] chamado Banshee,[4] assemelhando-se assim a Pedro Alvares Cabral que descortinou esse imenso e majestoso país para o mundo europeu no longínquo ano do 1500; aos navios à velas que também trouxeram o rei D. João VI e toda corte portuguesa, que fugindo da invasão e domínio francês de Bonaparte, desembarcou no porto brasileiro no ano de 1808, transformando a Colônia em Reino, iniciando a modernização do país, bem como preparando-o para que em apenas 14 anos alcançasse sua Independência, quando o então príncipe D. Pedro I rompendo os laços com Portugal em 1822 inicia o processo de autonomia brasileira. Todos esses fatos da História do Brasil, alguns ainda recentes, lhe vem à mente enquanto fecha a mala e verifica pela última vez se não estava esquecendo nenhum pertence seu na cabine.
Acima dele o barulho agora é mais expressivo; toma o corredor e começa a subir os degraus que lhe dá acesso ao convés e à brisa fresca daquela manhã de agosto. Ele contempla as pessoas que entre um misto de alegria e alivio pela chegada tão próxima se cumprimentam e se abraçam, pois, a grande maioria nunca mais se encontraram após o desembarque. Mais uma vez sua mente retrocede 56 dias atrás[5] no momento em que se despedia de sua mãe acompanhada de John um de seus nove irmãos[6] no porto de Baltimore (Maryland).[7] Também com um misto de alegria, pois não apenas sabiam quais eram seus objetivos quando aqui chegasse, mas o apoiavam integralmente, todavia, também havia um sentimento de tristeza pela separação momentânea ou perene que se impunha agora entre eles, bem como as apreensões pela viagem tão perigosa que o aguardava, não sem razão, pois apenas alguns anos depois, esse mesmo navio haveria de naufragar, empurrado por fortes ventos de tempestade, para ser destroçado entre rochas.[8] Sua mãe ao abraça-lo sussurra em seus ouvidos, com voz tremula, palavras de incentivo e afirmando uma vez mais que diariamente estaria orando por ele, pois sabia que o mesmo Deus que o havia vocacionado para o ministério pastoral e que agora o estava enviando para a obra missionária no Brasil, jamais o desampararia e haveria de fazer prosperar sua obra naquele imenso país.[9]
Quando suas lembranças desvanecem seus olhos contemplam a Baia da Guanabara e ele é tomado pelo êxtase das belezas naturais incomparáveis que a formam. Ele havia lido diversos relatos produzidas pelos viajantes que aqui desembarcaram antes deles. Um desses foi o Rev. James Cooley Fletcher (pastor presbiteriano) que estivera no Brasil uns oito ou dez anos antes dele e que registrou suas perspectivas do país e de sua população, editando um livro que ficou muito popular com várias edições nos EUA e também no Brasil em português,[10] e que o motivara muito em vir para essa tão imensa e maravilhosa nação que dava seus primeiros passos na independência. Mas nada se comparava ao que ele estava contemplando com seus próprios olhos.  A entrada da baía é formada por um conjunto de montanhas, no qual se destaca um morro grande e elevado, tendo um formato de pão de açúcar, e que ao seu pé proporciona em caso de necessidade é possível lançar âncora. Certamente é uma das baías mais amplas e cômodas do mundo e as montanhas ao seu redor proporcionam segurança, protegendo as embarcações dos fortes ventos e agitações marítimas. Em toda imensa extensão é possível aquartelar navios de quaisquer dimensões, pois os barcos podem chegar tão próximos da terra, que uma barcaça com facilidade se aproxima para transportar pessoas e mercadorias.
Finalmente o navio entra na Baia da Guanabara e ele percebe a grande quantidade de outros navios com suas bandeiras hasteadas no mastro principal, revelando as inúmeras nações que se fazem presentes na intensa e diversificada relação comercial que o Brasil desenvolveu desde a Abertura dos Portos assinada por D. João VI quando aqui chegou em 1808. O porto do Rio de Janeiro é um dos maiores do país, portanto, o transito de pessoas e mercadorias aumenta anualmente. Tinha conhecimento e fazia parte de suas novas atribuições missionárias, dar assistência pastoral aos milhares de marinheiros americanos que anualmente perpassavam por este imenso porto e também, como alguns colportores[11] e missionários antes dele, fazer do porto uma oportunidade para distribuição de bíblias protestantes, pois soube que uma das estratégias era “esquecer” no cais caixas contendo bíblias, de maneira que muitos acabavam pegando um exemplar para ler.
Sua respiração acelera, seu coração aumenta os batimentos cardíacos, quando começa a desembarcar; quando finalmente seus pés tocam o cais e ele dá seus primeiros passos, é arrebatado pelas grandes expectativas e sonhos que tanto o motivaram a empreender tão grande e temerosa empreitada. Enquanto caminha pela primeira vez no território brasileiro deslumbra em sua mente as imensas possibilidades que tem diante dele: aprender a língua, iniciar uma classe de estudos bíblicos como passo inicial para implantar a primeira Igreja Presbiteriana na crescente cidade do Rio de Janeiro; distribuir e quem sabe abri em outros centros urbanos do país depósitos de literaturas e bíblias de cunho protestante; produzir um jornal onde pudesse expor os conceitos cristão protestante; quem sabe ele não haveria de ver o desenvolvimento e expansão do presbiterianismo no Brasil e seus olhos brilham quando pensa se não seria maravilhoso ter o privilégio de ordenar o primeiro pastor protestante brasileiro.
Tomado por todas essas enormes expectativas Ashbel Green Simonton[12] continua sua caminhada quando ao sair do porto e pisar na rua da cidade pela primeira vez, levanta os olhos aos céus e ora: “Eis me aqui Senhor! Usa a minha vida integralmente na Sua obra! ”

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião
me.ivanguedes@gmail.com
Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/

Referências Bibliográficas
ATAÍDES, Florêncio Moreira de. Simonton: o missionário que impactou o Brasil. Arapongas, PR: Aleluia, 2008.
CÉSAR, Elben M. Lenz. Mochila nas costas e diário na mão: a fascinante história de Ashbel Green Simonton. Viçosa (MG): Ultimato, 2009.
FERREIRA, Júlio Andrade. História da Igreja Presbiteriana do Brasil, vol. 1 e 2, 2ª ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992.
GUEDES, Ivan Pereira. O protestantismo na cidade de São Paulo – presbiterianismo: primórdios e desenvolvimento do presbiterianismo. Alemanha: Ed. Novas Edições Acadêmicas, 2013.
KIDDER, D. P. e FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros – esboço histórico e descritivo, v. 1. Brasiliana – Biblioteca Pedagógica Brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941 [Tradução da 6ª. edição em inglês - Elias Dolianiti e Revisão e Notas de Edgard Sussekind de Mendonça].
MATOS, Aldery Souza (org.). O Diário de Simonton. São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2002.
RIZZO, Maria Amélia. Simonton – inspirações de uma existência. São Paulo: Editora Rizzo, 1962.
SOARES, Caleb. 150 anos de paixão missionária – o presbiterianismo no Brasil. Santos (SP): Instituto de Pedagogia Cristã – IPC, 2009
Artigos
James Cool Fletcher
O Trabalho Desenvolvido por Ashbel Green Simonton e Seus Companheiros




[1] Martha Davis (pai William Simonton)
[2] O navio a motor Savannah havia atravessado o Atlântico 40 anos antes.
[3] Esse tipo de navio tem um mastro principal mais alto do que um prédio de quinze andares, contendo 31 velas e cerca de 18 quilômetros de cabos, sendo necessário ao menos 52 marinheiros para manobra-lo em alto mar. Para os curiosos basta conhecer o Cisne Branco, da Marinha Nacional, modelo dos veleiros do século dezenove, utilizado para treinamento de aspirantes à navegação.
[4] O nome não era um alerta para os marinheiros e passageiros, pois vem do folclore irlandês (e celta), sobre uma figura de fada que avisa sobre a proximidade da morte.
[5] Ele embarcou no dia 18 de junho de 1859 e desembarcou no dia 12 de agosto, perfazendo um longo período “entre o céu e o mar” de 56 dias.
[6] Eram em nove irmãos, sendo cinco homens: Simonton, William, John, James Thomas e quatro irmãs: Martha, Jane, Elizabeth (Lillie) e Anna Mary.
[7] O porto somente tinha saída para o mar Atlântico pelo lado sul, portanto, tendo que atravessar toda a baia de Chesapeake-Delaware, uma baia de 300 quilômetros de comprimento. A nossa baia da Guanabara (RJ) tem 412 quilômetros quadrados.
[8] O historiador Laurentino Gomes falando sobre as viagens transatlânticas resume: “quem partia tinha o cuidado de organizar bem a vida e se despedir dos parentes e amigos, pois a chance de nunca mais voltar era enorme”.
[9] A sua mãe no diário dela na data de sua partida: “É difícil separar-se daqueles que talvez não vejamos mais na terra. Mas quando penso no valor das almas imortais que se estão perdendo pela falta do Evangelho puro... Recomendo você com orações e lágrimas ao Senhor, que tudo faz para o bem” (www.missiodei.com.br. In: 25/08/06; negrito meu).
[10] Segundo Alfredo de Carvalho (em sua obra Escritores Exóticos no Brasil), Brazil and the Brazilians [O Brasil e os Brasileiros] é, "ainda hoje, nos Estados Unidos, senão o livro clássico, o mais vulgarizado (popular) sobre o nosso país". Também Marchant (em Handbook of Latin American Studies, 1938) escreve que a obra de Kidder e Fletcher "é, em sua época, certamente, a mais importante obra americana sobre o Brasil".
[11] Tradução do vocábulo anglo-gálico “colporteurs” protestantes que vendiam ou distribuíam literatura evangélica e principalmente bíblias. Simonton nas anotações em seu diário entre 22 de outubro de 1860 a 14 de fevereiro de 1861 menciona ao menos oito referências relacionadas à importância de colocar a Bíblia nas mãos da população brasileira.
[12] Nasceu no dia 20 de janeiro de 1833, em West Hanover, na Pensilvânia, descendente de presbiterianos escoceses-irlandeses que haviam migrado para os Estados Unidos.