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quinta-feira, 30 de junho de 2016

PROTESTANTISMO E SEUS DOIS SISTEMAS TEOLÓGICOS

            Ainda nas páginas do livro de Atos e principalmente nas epístolas é visível a crescente dificuldades em se manter dentro do cristianismo primitivo uma unidade teológica. Evidentemente que a literatura preservada no cânon neotestamentário fundamentou uma ortodoxia básica no que se refere aos pontos cardeais da fé cristã como entendida pelos respectivos escritores e posteriormente mantida nas comunidades cristãs.
            Com o passar dos séculos múltiplas controvérsias foram surgindo nas esferas eclesiásticas sobre os mais variáveis temas doutrinários. Nas diversas literaturas que tratam da História dos Dogmas podemos encontrar um reflexo dos embates que se travaram nas entranhas conciliares da igreja cristã através dos séculos.
            Evidentemente que as controvérsias fazem parte do processo de maturação de uma organização viva e tão ampla quanto a Igreja Cristã. Ainda que muitas delas é provocada pelo personalismo, outras por falta de uma melhor diretiva e outras onde o espírito fraternal foi sacrificado, a controvérsia torna-se o instrumento de depuração dos sistemas eclesiástico-teológico do cristianismo. Uma árvore torna-se tão resistente quanto as tempestades pelas quais ela passa, uma boa controvérsia que exige a busca de novas respostas é preferível à estagnação que atrofia e mata.
            As controvérsias surgem na estrada da Igreja Cristã e são caracterizadas por suas motivações centrais: administrativas, com os donatistas; trinitariana, com o arianismo; cristológica com o Apolinarianismo e nestorianismo; antropológica, com o pelagianismo e agostianismo.
            A controvérsia antropológica ainda que tratada continuamente nos Concílios Cartago em 412 e ratificada também em Cartago em 431 (dezenove anos depois), ela se perpetuou no rasgar dos séculos e ainda hoje seus respectivos sistemas teológicos dividem a teologia cristã.
            No período pós Reforma Protestante haveremos de visibilizar novamente este embate nas controvérsias dos calvinistas ancorados no pensamento teológico de Agostinho e os arminianos fundamentados no pensamento teológico de Pelágio.
            Estes dois expoentes da teologia cristã não poderiam ser mais diferentes em suas índoles e experiências vivenciais. Suas diferenças acabaram se refletindo na contradição que veio a coloca-los em posições distintas e opostas em relação à doutrina da natureza humana e da graça de Deus.
            Agostinho era naturalmente irascível e apaixonado. Possuía um cabedal cultural como poucos em seus dias, e travou por toda sua vida uma luta intima em relação às suas propensões humanas para o pecado. Na medida em que examinava a literatura de Paulo, sobre sua exposição da luta feroz entre a carne e o espírito, conclui que a natureza humana decaída é totalmente depravada, de modo que o livre arbítrio, ou seja, a capacidade livre do ser humano escolher algo melhor é tão somente uma ilusão.
            Pelágio também era um monge muito bem instruído, entretanto, de natureza mais meiga e praticante perene da abstinência, o que lhe capacitava um estilo de vida mais voltada para a espiritualidade. Enfrentando menos embates internos advoga que o ser humano é capaz de livremente obedecer à voz da consciência e resistir ao mal e escolher o bem, de maneira, conclui ele, que a raça humana não herdou o pecado adâmico.
            Deste modo, partindo de premissas diametralmente opostas, ambos elaboraram seus sistemas teológicos. Pelágio defende com veemência uma bondade inerente no ser humano, que apesar da natureza pecaminosa, ainda detém a capacidade de escolher e obedecer a Deus livremente; Agostinho por sua vez entende que o ser humano após a queda se tornou totalmente incapacitado para escolher livremente obedecer à vontade de Deus, necessitando para isso da continua atividade da graça divina, que soberanamente é outorgada à aqueles que Deus escolhe antes da fundação do mundo.
            Abaixo temos uma visualização contrastante destes dois sistemas teológicos que ainda hoje mantém suas controvérsias dentro do cristianismo protestante.   

O SER HUMANO NA CRIAÇÃO
PELAGIO
AGOSTINHO
O ser humano foi criado inocente, capaz de livre arbítrio absoluto, porém, mortal.
O ser humano foi criado com a capacidade de escolher livremente, inocente e inclinado ao bem, capaz de tornar-se livre do pecado pela continua obediência, porém sujeito à morte.
O SER HUMANO NA QUEDA
A queda trouxe como consequência imediata a morte espiritual de Adão e Eva, porém, atingiu os seus descendentes somente como exemplo.
A queda trouxe a morte tanto espiritual quanto física de Adão e Eva, e, através deles, à toda humanidade, escravizando-lhes a vontade.
O SER HUMANO DEPOIS DA QUEDA
Todas as pessoas ao nascerem são como Adão antes da queda e se sujeitam ao pecado por livre e espontânea vontade e atos pessoais.
Todos ao nascem com uma natureza humana corrupta e com sua vontade escravizada ao mal e totalmente incapacitados de proceder com retidão.
LIVRE ARBÍTRIO
O ser humano é sempre livre e igualmente capaz de fazer uma escolha tanto para o bem quanto para o mal.
O ser humano era livre somente antes da queda e propenso ao bem e à justiça, todavia, após a queda perdeu a sua liberdade e retidão, e escravizou-se ao mal.
O PECADO
O pecado é um ato resultante da vontade, não é da natureza, e, portanto, as pessoas não são necessariamente pecadoras e algumas podem até viverem sem pecar.
O pecado é inato à natureza humana (pecado original) e manifesta-se em ações pecaminosas. Desta forma, todo ser humano, cá om exceção de Cristo, é necessariamente pecador desde seu nascimento.
A GRAÇA
A “graça divina” consiste nos privilégios que Deus outorga ao ser humano.
A salvação é pessoal, sem lei nem evangelho. A vantagem do evangelho é que por ele se torna mais fácil ser crente.
A graça é a operação da vontade do Espírito Santo no ser humano, pela qual a vida espiritual começa e se aperfeiçoa. Sem ela a pessoa não pode arrepender-se nem tão pouco crer. A graça redentora é inquebrantável em sua operação sobre os eleitos: nada lhe pode resistir.
A ELEIÇÃO
Não há uma eleição incondicional.
A eleição é eterna e absoluta e é incondicional.
BATISMO INFANTIL
O batismo infantil é coisa boa, mas não essencial à salvação das crianças.
É necessário o batismo para a salvação das crianças, desde que elas são pecadoras, pois o batismo é o único meio pelo qual uma igreja se torna regenerada. Alguns dentre os regenerados pelo batismo podem cair, e de fato assim acontece, porém, os eleitos jamais cairão.

            Evidentemente que este quadro esboça pobremente a imensidade dos debates decorrentes destas duas propostas teológicas. Milhares de volumes tem sido produzido ao longo dos séculos sobre estas questões até os dias presentes.
            No período posterior ao movimento da chamada Reforma Protestante, no século XVI, as múltiplas denominações que a partir dela se originaram, mantiveram estes debates envolvendo estes dois pensamentos teológicos contrastantes.  A partir da exposição de João Calvino, seguindo o pensamento de Agostinho, que originou o calvinismo, e do trabalho de Jacó Armínio, defendendo a posição de Pelágio, que originou o arminianismo, perpetua-se no tempo este debate que não se apercebe qualquer possibilidade de uma conciliação plena e final.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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quarta-feira, 22 de junho de 2016

VERBETE - Jacob Arminius


ARMINIUS, Jacob (1560-1609). Jacob Harmensen, que transliterou seu nome para o latim transformando-se em, Jacobus Armínius, em português – Jacó Armínio, também é conhecido pela versão inglesa de seu nome – James ou Jacob Arminius. Ele vai viver em um período histórico pós Reforma onde os posicionamentos teológicos já haviam sido solidamente estabelecidos, mas que posteriormente tornaram-se enrijecidos e inflexíveis. Havia pouco espaço para divergências, visto que os dogmas reformados tinham sido forjados nas bigornas das discussões teológicas pós reforma. Desta forma, qualquer discrepância ou dissonância teológica acadêmica trazia à memória todo sofrimento e dissabores de um caminho árduo que havia sido percorrido até que as balizas teológicas fossem satisfatoriamente equilibradas. É neste ambiente que este teólogo holandês, nascido em na cidade de Oudewater, entre Roterdã e Ultrecht, expos suas discordâncias com as formulações rigorosas sobre a predestinação elaborada pelo calvinismo. Toda sua trajetória acadêmica havia sido dentro dos moldes calvinistas: estudou em Leyden, na Universidade Marburg (1575-1581), na Basiléia (1582-1583), e em Genebra na Suíça (1584-1586), tendo como um de seus mentores Teodoro Beza sucessor catedrático de Calvino. Ele serviu como pastor em Amsterdã (1588-1603) e foi professor de teologia em Leiden a partir de 1603. Apesar de todas estas influências Armínius cultivou uma ortodoxia própria e conflitante com o pensamento calvinista. A igreja em Amsterdã lhe incumbiu que examinasse e refutasse as ideias de DircK Koornhert, que contestava abertamente as doutrinas calvinistas, em especial a predestinação. Mas, ao final, Armínius concluiu que Koornhert estava certo e os calvinistas estavam equivocados. Armínio interpretava que a carta de Paulo aos Romanos ensinava uma "predestinação condicional" em oposição às interpretações "incondicionais" dos calvinistas seus contemporâneos. Ele acreditava que a predestinação dos destinos individuais (salvação) é baseada na presciência divina, ou seja, Deus sabe de antemão quem são aqueles que haverão de crer em Jesus e serem salvos. Para ele a "Graça Salvadora" de Deus é a obra do Espírito Santo na preparação das pessoas para escolher a ter fé em Jesus Cristo.
Armínius faleceu em 1609 e no ano seguinte (1610), o chamado partido arminianos, uma oligarquia fortemente mercantil e que defendia uma relação amistosa com a Espanha (católica), produziu um documento de protesto conhecido como remostrância (“representação ou protesto”), posteriormente recebendo a alcunha de “remonstrantes” e que passaram a serem redigidos sumariamente em cinco pontos centrais de divergências com a teologia calvinista. Abaixo temos os dois pensamentos teológicos:
ARMINIANISMO
CALVINISMO
Capacidade humana, Livre-arbítrio - Todos os homens embora sejam pecadores, ainda são livres para aceitar ou recusar a salvação que Deus oferece;
Depravação total - Todos os homens nascem totalmente depravados, incapazes de se salvar ou de escolher o bem em questões espirituais;
Eleição condicional - Deus elegeu os homens que ele previu que teriam fé em Cristo;
Eleição incondicional - Deus escolheu dentre todos os seres humanos decaídos um grande número de pecadores por graça pura, sem levar em conta qualquer mérito, obra ou fé prevista neles;
Expiação ilimitada - Cristo morreu por todos os homens e não somente pelos eleitos;
Expiação limitada - Jesus Cristo morreu na cruz para pagar o preço do resgate somente dos eleitos;
Graça resistível - Os homens podem resistir à Graça de Deus para não serem salvos;
Graça Irresistível - A Graça de Deus é irresistível para os eleitos, isto é, o Espírito Santo acaba convencendo e infundindo a fé salvadora neles;
Decair da Graça - Homens salvos podem perder a salvação caso não perseverem na fé até o fim.
Perseverança dos Santos - Todos os eleitos vão perseverar na fé até o fim e chegar ao céu. Nenhum perderá a salvação.

Todos aqueles que adotaram a teologia desenvolvida por Aminius ficaram conhecidos como “arminianos”. O Metodismo, estabelecido por John Wesley, adotou o Arminianismo como fundamento teológico, assim como as tradições evangélicas pentecostais ou de santidade; os batistas em sua maioria também adotam a teologia Arminiana, no Brasil uma exceção é a igreja Batista Regular que mantém a teologia calvinista, com exceção do batismo infantil e a interpretação da Ceia.

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VERBETE: Mártir – Origem e Significado

Referências Bibliográficas
ARMESTO-FERNÁNDES, Felipe e WILSON, Derek. Reforma: o cristianismo e o mundo 1500-2000. Trad. Celina Cavalcante Falck. Rio deJaneiro: Record, 1997.
BOISSET, J. História do protestantismo. São Paulo: Difusão Européia, 1971.
CARTER, Lindberg. Reformas na Europa. São Leopoldo: Sinodal, 2001. [trad. Luís Henrique Dreher e Luís Marcos Sander].
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia. São Paulo: Hagnos, 2006.
COLLINSON, Patrick. A Reforma. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2006.
DANIEL-ROPS. A igreja da renascença e da reforma I: a reforma protestante.  São Paulo: QUADRANTE, 1996.
DREHER, Martin Norberto. A igreja latino-americana no contexto mundial. São Leopoldo: Sinodal, 1999. (Historia da Igreja; v. 4)
DUNSTAN, J. Leslie. Protestantismo. Lisboa, Verbo, 1980.
GONZALES, Justo L. Uma história do pensamento cristão. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
HUDSON, Winthrop. Denominationalism as a basis for ecumenicity: a seventeenth century conception. Church history. Vol. 24, no. 1 (março, 1966).
LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma história do cristianismo - volume II: 1500 a 1975 a.D. São Paulo: Editora Hagnos, 2006.
LINDSAY, Tomas M. Historia de la Reforma, v.2, ed. La Aurora e Casa unida de Publicaciones, 1959.
McGRATH, Alister. A vida de João Calvino. São Paulo, Cultura Cristã, 2004.MATOS, Alderi Souza de. Fundamentos da teologia histórica. São Paulo: Mundo Cristão, 2008. (Coleção Teologia Brasileira)
MENDONÇA, Antonio G. O celeste porvir: a inserção do Protestantismo no Brasil. São Paulo: Edições Paulinas, 1984.
OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. São Paulo: Editora
Reflexão. 2013.
POLLARD, Albert Frederick. Thomas Cranmer and the and the english reformation (1489-1556). London : G. P. Putnam’s Sons, 1906.
REYLI, Alexander Duncan. História Documental do Protestantismo no Brasil. 3ª ed. São Paulo: ASTE, 2003.
SALVADOR, José Gonçalves. Arminianismo e Metodismo: Subsídios para
o Estudo da História das Doutrinas Cristãs. São Paulo: Junta Geral de
Educação Cristã da Igreja Metodista do Brasil, S/D.
SCHÜLER, Arnaldo. Dicionário Enciclopédico de Teologia. Rio Grande do Sul: Concórdia Editora e Editora Ulbra, 2002.
WYNKOOP, Mildred Bangs. Fundamentos da teologia Armínio Wesleyana. Tradução Eduardo Rodrigues da Silva. Campinas (SP): Casa Nazarena Publicações, 2004.

Zabriskie, Alexander C. Anglican Evangelicalism. Philadelphia, 1999.

VERBETE - ARMINIANISMO


ARMINIANISMO. Um movimento teológico que surgiu a partir dos ensinamentos de Jacob Armínio, que se opunha a posição defendida pelos calvinistas, seguindo o pensamento teológico desenvolvido por João Calvino, sobre a eleição, predestinação, e salvação pela graça. O documento mais conhecido do arminianismo é conhecido como os “Cinco Pontos [Artigos] do Arminianismo” (1610). Posteriormente os calvinistas reunidos no Sínodo de Dort (1618-1619), elaboraram um documento que contradizia cada uma das teses arminianas, que ficou conhecido como os “Cinco Pontos [Artigos] do Calvinismo”.
O Arminianismo ensina que apesar do pecado, os seres humanos são livres para responder ao evangelho e que a eleição ocorre depois que a graça de Deus é dada. Deus elege para a salvação todos aqueles que Deus, por causa de sua onisciência, sabe de antemão que haverão de se arrepender e crer em Jesus Cristo. Esta é uma "eleição condicional" na medida em que depende de conhecimento prévio da resposta humana à Deus; os seres humanos podem resistir à graça e pode em algum momento perder a salvação; no processo da salvação o ser humano pode usar seu livre arbítrio para cooperar com a graça de Deus oferecida a eles.
As teses arminianas se espalharam por todo o mundo e teve em John Wesley (1703- 1791) e posteriormente no Metodismo seus maiores divulgadores.


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Referências Bibliográficas
ARMESTO-FERNÁNDES, Felipe e WILSON, Derek. Reforma: o cristianismo e o mundo 1500-2000. Trad. Celina Cavalcante Falck. Rio deJaneiro: Record, 1997.
BOISSET, J. História do protestantismo. São Paulo: Difusão Européia, 1971.
CARTER, Lindberg. Reformas na Europa. São Leopoldo: Sinodal, 2001. [trad. Luís Henrique Dreher e Luís Marcos Sander].
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia. São Paulo: Hagnos, 2006.
COLLINSON, Patrick. A Reforma. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2006.
DANIEL-ROPS. A igreja da renascença e da reforma I: a reforma protestante.  São Paulo: QUADRANTE, 1996.
DREHER, Martin Norberto. A igreja latino-americana no contexto mundial. São Leopoldo: Sinodal, 1999. (Historia da Igreja; v. 4)
DUNSTAN, J. Leslie. Protestantismo. Lisboa, Verbo, 1980.
GONZALES, Justo L. Uma história do pensamento cristão. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
HUDSON, Winthrop. Denominationalism as a basis for ecumenicity: a seventeenth century conception. Church history. Vol. 24, no. 1 (março, 1966).
LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma história do cristianismo - volume II: 1500 a 1975 a.D. São Paulo: Editora Hagnos, 2006.
LINDSAY, Tomas M. Historia de la Reforma, v.2, ed. La Aurora e Casa unida de Publicaciones, 1959.
McGRATH, Alister. A vida de João Calvino. São Paulo, Cultura Cristã, 2004.MATOS, Alderi Souza de. Fundamentos da teologia histórica. São Paulo: Mundo Cristão, 2008. (Coleção Teologia Brasileira)
MENDONÇA, Antonio G. O celeste porvir: a inserção do Protestantismo no Brasil. São Paulo: Edições Paulinas, 1984.
OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. São Paulo: Editora
Reflexão. 2013.
POLLARD, Albert Frederick. Thomas Cranmer and the and the english reformation (1489-1556). London : G. P. Putnam’s Sons, 1906.
REYLI, Alexander Duncan. História Documental do Protestantismo no Brasil. 3ª ed. São Paulo: ASTE, 2003.
SALVADOR, José Gonçalves. Arminianismo e Metodismo: Subsídios para
o Estudo da História das Doutrinas Cristãs. São Paulo: Junta Geral de
Educação Cristã da Igreja Metodista do Brasil, S/D.
SCHÜLER, Arnaldo. Dicionário Enciclopédico de Teologia. Rio Grande do Sul: Concórdia Editora e Editora Ulbra, 2002.
WYNKOOP, Mildred Bangs. Fundamentos da teologia Armínio Wesleyana. Tradução Eduardo Rodrigues da Silva. Campinas (SP): Casa Nazarena Publicações, 2004.
Zabriskie, Alexander C. Anglican Evangelicalism. Philadelphia, 1999.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

PROTESTANTISMO NO BRASIL - DOCUMENTO: Plano de Trabalho Apresentado por Simonton ao Presbitério do RJ

Introdução
            O Presbiterianismo aportou oficial e efetivamente no Brasil com a chegada do jovem missionário americano Rev. Ashbel Green Simonton, com apenas 26 anos, que desembarca no porto do Rio de Janeiro em 12 de agosto de 1859, que passou a ser a data fundante e comemorativa da Igreja Presbiteriana do Brasil.
            Simonton realiza um trabalho intenso, como que prevendo a brevidade de suas atividades missionárias que seria tolhida por sua morte precoce aos 34 anos. Mas em tão pouco tempo, oito anos e quatro meses, ele conseguiu deixar uma herança de valor incalculável para a futura Igreja Presbiteriana brasileira.
            Inicia seu trabalho, no Rio de janeiro, de forma simples à semelhança de seus predecessores, atuando como um capelão entre os de língua inglesa, tanto em navios quanto no bairro da Saúde (RJ), dando assistência a uma Escola Dominical a um grupo de operários atendidos anteriormente por Fletcher[1] em 1855, eram ingleses, escoceses e irlandeses; ele também viaja a outras cidades. Já tendo a companhia de seu cunhado e missionário Alexander L. Blackford, que organizaria as Igrejas de São Paulo (março de 1865) e Brotas (novembro de 1865), ele empreende uma longa viagem pela província de São Paulo, ao final de 1860 e início de 1861, visitando as colônias de anglo-saxões e alemães, bem como fazendo colportagem de Bíblias e outros materiais evangélicos.
Retornando ao Rio em maio de 1861 começa a fazer as primeiras pregações em português, em uma pequena sala no centro do Rio de Janeiro. Somente depois de dois anos e meio, ele realiza seus primeiros batizados, em 12 de janeiro de 1862, demarcando a fundação oficial da primeira Igreja Presbiteriana no Brasil. Ele registra este momento em seu diário no dia 14 de janeiro:
 No Domingo, 12, celebramos a ceia do senhor, recebendo por profissão de fé Henry E. Milford e Cadoso Camilo de Jesus. Assim, organizamo-nos Igrejas de Jesus Cristo no Brasil. Foi uma ocasião de alegria e prazer. Muito antes que minha pequena fé esperava. Deus permitiu-nos ver a colheita dos primeiros frutos de nossa missão. Sinto-me agradecido, de certa maneira, mas não tanto como deveria sentir-me. A comunhão foi ministrada pelo Sr. Schneider e seu, em inglês e português. O Sr. Cadoso, a seu próprio pedido e de acordo com o que nos também julgamos melhor, depois de muito pensar e hesitar, foi batizado. Seu exame foi bastante satisfatório para o Sr. Schneider e para mim, e não deixou dúvida quanto à realidade de sua conversão. Graças a Deus nossa débil fé foi confirmada ao vermos que não pregamos o evangelho em vão. (RIZZO, 1962, p.82).
De acordo com a Ata da Igreja de 15 de maio de 1863, faz se o registro da organização da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, por meio da Missão do Norte, para fins legais [1] conforme menciona Simonton em seu relatório de 10 de julho de 1866:
A 15 de maio de 1863 vem a ponto esclarecer, reuniram-se pela primeira vez em Assembléia Geral os membros da Igreja Evangélica Presbiteriana do Rio de Janeiro ( este o seu nome primitivo a partir de sua fundação, a 12 de janeiro de 1862), não dá para se constituir em Igreja, entidade coletiva já existente, e, sim, diz Simonton em seu relatório de 10 de julho de 1866 textualmente: “para formular e assinar certidões declarativas de serem Alexander L. Blackford, A.G. Simonton, e F. J. Schneider pastores da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. A vista destas certidões, os títulos dos mesmos pastores foram registrados pelo Governo e seus atos, feitos de conformidade com a lei civil, garantidos principalmente em relação ao casamento de pessoas que não professassem a religião do Estado. (RIBEIRO, 1940, p.13 e 14, Apud, CLARK, 2005, p. 101 – grafia da época).
Contando com seus outros dois grandes colaboradores Francis J. C. Schneider, que trabalhava entre os imigrantes alemães em Rio Claro, lecionaria no futuro Seminário do Rio e seria missionário na Bahia e George W. Chamberlain, grande evangelista e operoso pastor da futura Igreja de São Paulo, Simonton empreende suas maiores realizações: fundou o primeiro periódico evangélico do país (Imprensa Evangélica, 1864), que subsistiu por 28 anos; criou o primeiro Presbitério (1865)[2], na rua São José onde estava funcionando a então primeira igreja da capital paulista,  composto pelas Igrejas do Rio de Janeiro, São Paulo e Brotas; coube a ele também o privilégio de organizar o primeiro Seminário, chamado de “Seminário Primitivo” (1867), o qual formaria os primeiros pastores presbiterianos[3] e ainda deixou funcionando uma escola paroquial que se constituía em um instrumento fundamental na estratégia missionária americana.[4] Mas sem dúvida alguma, sua maior alegria e realização foram participar da ordenação de José Manoel da Conceição, o primeiro pastor presbiteriano brasileiro (1865).[5]
Ainda fortemente abalado pelo falecimento de sua amada esposa, Helen Murdoch (1864), em decorrência do parto de sua única filha - Helen Murdoch Simonton - o Rev. Ashbel Green Simonton morre vitimado pela febre amarela, em 1867, aos 34 anos, e apesar da brevidade de seu ministério contribuiu de forma impar no desenvolvimento do presbiterianismo brasileiro e na implantação da Igreja Presbiteriana do Brasil. Dois dias antes de sua morte, sua irmã perguntou se tinha alguma palavra à sua igreja no Rio. Simonton replicou: “Deus levantará alguém para tomar o meu lugar. Ele usará os seus instrumentos para o Seu trabalho”.
O corpo do jovem missionário após ser velado é conduzido em cortejo fúnebre partindo da esquina do Largo de São Bento com Rua São José, n° 1, hoje Líbero Badaró, descendo a Cásper Líbero, subindo a São João, entrando na Avenida Ipiranga e finalmente subindo a Consolação, para ser sepultado no Cemitério dos Protestantes, ao lado de sua jovem esposa Helen Murdoch que havia sido sepultada três anos antes. (Apud, SOARES, 2009, p. 187).
O jovem missionário americano, que por tão breve tempo esteve desenvolvendo suas atividades no Brasil, conseguiu cativar e impactar até mesmo aqueles que o viam como um herege e um perigo para a religião majoritária  O jornal católico "O Apóstolo", que por tantas vezes se opôs de forma contundente às atividades dos missionários protestantes capitaneados na pessoa de Simonton, coloca uma nota sobre a morte precoce deste valoroso protestante: "... sempre mantivemos o devido respeito por nosso ilustre adversário, e é de coração nossa triste pela morte do ilustre editor da Imprensa Evangélica" (FERREIRA, 1992, V. 1, p. 89).
Deste modo, o documento transcrito abaixo, elaborado por Simonton em 1867, ou seja, apenas oito anos após sua chegada ao país, revela sua analise do que havia sido feito e sua perspectiva do que poderia vir a ser realizado por ele e seus companheiros missionários e os pastores nacionais que já estavam somando seus esforços.
Na leitura do documento é perceptível a visão positiva que o jovem missionário tem do vasto campo brasileiro; não tem uma visão romântica do empreendimento missionário, ao contrário, demonstra plena consciência das enormes dificuldades que a nascente igreja terá que enfrentar, se de fato pretende expandir-se no Brasil; suas propostas, apesar da distância histórica de mais de 150 anos, continuam sendo relevantes para o presbiterianismo nos dias atuais.
A leitura deste documento torna-se imprescindível para todos aqueles que desejarem pesquisar sobre a implantação do presbiterianismo ou mais especificamente sobre o presbiterianismo no Brasil.

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Notas
[1] Para que os atos civis dos Missionários e pastores pudessem ter valor legal era preciso fazer o registro deles na Secretaria do Império, conforme Artigo nº 52, do Decreto nº3069 de 17 de abril de 1863 do Governo Brasileiro.
[2] Ferreira registra este ato constitutivo: “Nós, Ashel G. Simonton, do Presbitério de Charlisle; Alexandre L. Blackford, do Presbitério de Washington; e Francisco J. C. Schineider, do Presbitério de Ohio, querendo melhor promover a glória e o reino de nosso Senhor Jesus Cristo no Império do Brasil, julgamos útil e conveniente exercer o direito que nos confere a Constituição de nossa Igreja, constituindo um Presbitério sob o governo e direção da Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América do Norte. Portanto, de conformidade com a referida Igreja, de fato nos constituímos em um Presbitério que será chamado pelo título de Presbitério do Rio de Janeiro, o qual deverá estar anexo ao Sínodo de Baltimore”. (1992, v. 1, 2ª ed., p.59)
[3] Após a formação do primeiro Presbitério (1865) o passo seguinte era criar o primeiro Seminário Presbiteriano para formação de pastores nacionais que haveriam de substituir os missionários que voltassem para seu país de origem. Este Seminário vai surgir e funcionar inicialmente no Rio de Janeiro, no Campo de Sant’ana, nº 49, e será chamado carinhosamente de “Seminário Primitivo” e Simonton registra em seu diário: “Aluguei uma casa com sala ampla, boa para pregações; outra para imprensa e alojamento para os nossos estudantes e para as famílias de dois impressores. Tudo por 150 mil réis por mês. É muito razoável. Pelo menos trinta pessoas a mais poderão estar assentadas. Tal mudança se faz necessária pelo aumento animador dos auditórios. Quando tivermos de mudar outra vez, espero que seja para lugar definitivo”. (SIMONTON, 1867, apud, RIZZO, 1962, p. 163). Clark trata em detalhes o funcionamento deste primeiro Seminário Presbiteriano (2005, p. 113-117).
[4] O binômio “evangelizar e educar” caracteriza a estratégia missionária dos protestantes que se instalaram no Brasil durante o século XIX. Em relação às escolas havia três tipos conforme Mesquida: as escolas paroquiais; as escolas dominicais; e os colégios. As primeiras alcançavam os grupos médios e periféricos da sociedade; as segundas dedicavam-se à instrução religiosa nas igrejas; os terceiros alcançavam as elites (1994, p. 138-139). A primeira ação de Simonton foi formar a escola dominical e em seguida iniciou uma escola paroquial. O colégio veio posteriormente com um de seus colaboradores, o Rev. Chamberlain e sua esposa Mary Ann, em São Paulo. O comentário de Clark sobre a repercussão desta pioneira escola paroquial de Simonton é interessante: “Simonton, ao criar sua escola, não tinha ideia de que a mesma atrairia a atenção de tantos brasileiros católicos. Embora a escola tivesse fins religiosos e dogmas diferentes do catolicismo, muitos pais solicitaram a permissão para que seus filhos pudessem frequenta-la e ali receber instrução” (CLARK, 2005,p.98).
[5] Lessa registra este momento ímpar do presbiterianismo brasileiro: “Em 16 de dezembro de 1865 constitui-se, em S. Paulo, o Presbyterio do Rio de Janeiro, do qual faziam parte os reverendos Simonton, Blackford e Schneider. No dia seguinte, 17 de dezembro, o antigo vigario era solennemente ordenado pela imposição das mãos do Presbyterio organizado na vespera.. Estava realizada a grande aspiração do reverendo Conceição, que foi contado como primícias do ministerio evangelico nacional”. (1938, p.28 – grafia da época).

Referências Bibliográficas
BONINO, José Míguez, Rosto do protestantismo latino-americano. São Leopoldo: Ed. Sinodal, 2003.
CLARK, Jorge Uilson. Presbiterianismo do Sul em Campinas: primórdio da educação liberal. Tese (Doutorado) Universidade Estadual de Campinas Faculdade de Educação: Campinas, 2005. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000351752&opt=4. Acesso em: 21/05/2013.
FERREIRA, Júlio Andrade. História da Igreja Presbiteriana do Brasil, vol. 1 e 2, 2ª ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992.
LESSA, Vicente Themudo. Annaes da Primeira Egreja Presbyteriana de São Paulo – Subsídios para a História do Presbiterianismo Brasileiro. São Paulo: Ed. Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, 1938.
RIBEIRO, Domingos. História da Igreja Presbiteriana do Brasil. 1940: Apollo
RIZZO, Maria Amélia. Simonton – inspirações de uma existência. São Paulo: Editora Rizzo, 1962.
SOARES, Caleb. 150 Anos de paixão missionária – o presbiterianismo no Brasil. Santos (SP): Instituto de Pedagogia Cristã, 2009.


DOCUMENTO
OS MEIOS NECESSÁRIOS E PRÓPRIOS PARA PLANTAR O REINO DE JESUS CRISTO NO BRASIL
Lido perante o Presbitério do Rio de Janeiro no dia 16 de julho do 1867.[2]
 A. G. Simonton
O fim a que nos propomos é vasto e importante, além do que podemos conceber. Todavia ele c simples c muito bem definido. Pretendemos tornar conhecido o evangelho e trazer o povo do Brasil a submeter-se a Jesus como seu único Salvador e Rei. Em outras palavras, temos em vista evangelizar no Brasil a paz que é o fruto da paixão, morte e intercessão de Jesus Cristo, a fim do que todos os seus habitantes venham a crer nele para a salvação.
Pode-se olhar este trabalho pelo seu lado humano e também pelo seu lado divino. Ê até necessário considerarmos todo o trabalho feito neste sentido como cm parte trabalho nosso, cm parte trabalho feito por Deus. O evangelho que pregamos é uma revelação divina. É da palavra de Deus que tiramos todo o material para nossas pregações. Mas ainda a força eficaz para obrar a conversão dos que ouvem vem do Espírito de Deus.
Quando se trata da regeneração da alma, Deus é tudo e o homem não é nada.
Mas igualmente é absoluta a necessidade do concurso dos homens para que qualquer indivíduo ou nação se converta. "Vós sois o sal da terra". "Vós sois a luz do inundo". "Assim como o Pai me enviou a mim, assim eu vos enviei a vós." Por estas e outras passagens iguais. Nosso Senhor declara a necessidade de esforços humanos para que a conversão do mundo seja realizada.
Assim o lavrador da terra tem de distinguir entre a parte que a Deus cabe, e a que cabe a si mesmo. Ele vira a terra, a planta e a cultiva, mas as proprie­dades da terra que a fazem produzir como também a chuva e o sol que con­correrem para isso vêm de Deus. O homem trabalha. Deus o abençoa e a seu tempo se colhem os frutos da terra.
Disto vemos que é bom distinguir o lado humano de qualquer trabalho do seu lado divino tanto em relação às causas deste mundo como as do reino de Cristo.
Tenho agora em vista indicar os meios próprios para a conversão do Brasil. Deixando de parte, por enquanto, a menção particular do modo por que Deus opera, quero talar nos meios que Deus tem posto ao alcance de sua igreja e pelo uso dos quais nós somos responsáveis perante o seu tribunal. Demos toda a atenção a este assunto, pois é muito certo que toda a dúvida sobre os resultados desta tentativa para a propagação do evangelho limita-se ao uso dos meios da nossa parte. Deus não há de falhar nas suas promessas. A sua mão não é abreviada para não poder salvar.
Ocupando-me, pois, dos meios adequados à conversão das almas que em torno de nós morrem à mingua do alimento, luz e forças espirituais, é eviden­te a necessidade da pregação do Evangelho. Até seria fácil resumir tudo quanto se pode avançar em relação à propagação da fé verdadeira, a pregação do Evangelho.
Em primeiro lugar, a boa e santa vida de todo crente é uma pregação do Evangelho: esta é a mais eficaz. Na falta desta pregação os demais meios empregados não hão de ser bem-sucedidos. Os crentes são o sal da terra. A influência do seu exemplo se propaga constantemente e torna-se irresistível. A um argumento por melhor que seja, pode-se ao menos responder com um sofisma. Toda a pregação feita por palavras, quer pronunciadas do púlpito quer impressas em uma folha ou livro, pode ser rebatida por outras palavras. Mas uma vida santa não tem réplica, A experiência de todos os tempos prova que o progresso do Evangelho depende especialmente da conduta e vida dos que são professos. Há certas árvores que não dão fruto, mas sempre morrem da mesma maneira. A podridão aparece sempre primeiro no tronco e dali se estende lentamente para toda a parte até que a árvore não podendo mais suster-se, cai por terra. É assim que qualquer igreja definha e morre. O primeiro mau sinal é o arrefecimento do zelo de seus membros e a falta dessa pregação do Evangelho que se faz por meio de uma vida irrepreensível e santa.
Nós que temos a nosso cargo pregar o Evangelho do púlpito corremos o risco a este respeito. Debalde esperaremos colher frutos dos nossos trabalhos se as nossas palavras não forem reforçadas e confirmadas por uma vida san­ta. A obra da conversão do Brasil para o Evangelho muito depende do caráter dos ministros que tiverem de pregar em nome de Cristo. A não ser que estes sejam animados de um zelo puro e santo, ao contrário de nada aproveitará a sua pregação. Os que nos ouvem, meus irmãos, tem razão para exigirem que a nossa vida continue aquilo que ensinamos aos outros.
Quanto aos membros das igrejas confiadas a nossa direção, devemos ve­lar por sua conduta, admoestando e aconselhando a todos a que adornem a sua profissão por uma vida exemplar. Este dever requer paciência, mansidão e prudência a toda a prova, como também a coragem e o zelo que nascem de uma consciência do dever solene que temos de preencher.
Cuidemos, pois, primeiro que tudo na pregação do Evangelho por meio de uma vida santa, por meio da vigilância e oração, conservemos aceso o amor de Deus em nossos próprios corações a fim de que possamos ser bem sucedi­dos em nossos esforços para o bem dos que nos têm por seus pastores.
Outro meio de pregar o Evangelho é a disseminação da Bíblia e de livros e folhetos religiosos. Deste modo, pode-se dar notícias de Jesus a muitos que não querem assistir ao culto público. Nesta época a imprensa é a arma pode­rosa para a bem, ou para o mal. Devemos trabalhar para que se faça e se propague em toda a parte uma literatura religiosa em que se possa beber a pura verdade ensinada na Bíblia.
Há diversos crentes ocupados neste serviço. São merecedores da nossa estima como cooperadores. Devemos animá-los em seus trabalhos com nossos conselhos e orações constantes. Porém todo crente deve ser induzido a fazer alguma coisa neste sentido. O cristão evangélico que do princípio do ano até o fim não espalha nenhum livro ou folheto nem folha, não tem convicção do seu dever.
Olhando o futuro, temos aqui um vasto campo a percorrer. Ha sensível falta de bons livros; atualmente não existem. É preciso que sejam feitos e depois de feitos, distribuídos e vendidos.
Outro meio de pregar o Evangelho ao alcance de todo crente é conversando com seus amigos, conhecidos e vizinhos e trazendo-os ao culto público. Quando se lança uma pedra em qualquer lago cujas águas não têm movimento, vê-se formar um círculo onde ela caiu; esse círculo vai-se estendendo cada vez mais até que o movimento que resultou do embate da pedra na água perde-se sobre a praia.
É assim que o evangelho se propaga. Cada crente deve comunicar ao vizinho ou próximo aquilo que recebe até que toda a sociedade seja transformada.
Cuidar que toda a obra da conversão das almas fique a cargo dos ministros do Evangelho a isto particularmente consagrados é um dos muitos prejuízos que devemos combater com todas as nossas forças. Os cristãos primitivos não pensaram deste modo. Cada um se esforçou para a propagação das boas novas da salvação. Cada um tomou por modelo o apóstolo André, o qual apenas encontrou a Jesus e o reconheceu pelo Salvador esperado, foi dizer a seu irmão Simão: "Nós temos achado o Messias". Simão foi levado a Jesus e lambem creu nele.
Exortemos aos crentes a que imitem este belo exemplo. Cada um procure a seu irmão a fim de traze-lo a Jesus. Cada um por meio de suas conversas, orações e instâncias faça o possível para o aumento do número dos servos de Deus. Existem já bastante crentes, para que seus esforços unidos tenham grande importância. Devemos estimular e dirigir estes esforços de maneira que sejam mais profícuos, orando a Deus para que dê a todos os crentes os mesmos sentimentos e uma só vontade no seu serviço.
Mas convém que se faça menção particular da pregação do Evangelho por pessoas para isso designadas e ordenadas. O Evangelho mesmo ordena que este ministério seja confiado a pessoas de reconhecida aptidão e piedade, as quais não devem se ocupar em outra coisa. Embora os membros de qualquer igreja sejam zelosos no cumprimento dos seus deveres, não podem dispensar os serviços de um Pastor bem instruído nas Escrituras e apto para ensinar publicamente. Estes requisitos nem todos os crentes os tem. Este ministério requer estudo que poucos tem. Mais ainda, requer prudência e abnegação e zelo que Deus só dá aos que vivem em sua santa comunhão por meio de vigilância e oração constante.
À vista da extensão do Brasil e das circunstâncias em que a igreja evangélica se acha como se há de achar ministros em número suficiente para que em toda a parte haja quem reparta o pão da vida eterna? É questão grave e difícil.
Porém, abrindo o Evangelho mesmo, deparamos com um verso cuja leitura faz-nos desvanecer todas as dúvidas a este respeito e nos indica a responsabilidade que nos cabe. Jesus Cristo disse a seus discípulos: "Rogai ao Senhor da Seara para que mande obreiros". O campo que cultivamos é do Senhor.
Nisto temos uma garantia sólida. Compete ao Senhor mandar os obreiros. Aqui temos outra garantia. A responsabilidade dos servos de Jesus não passa do emprego de certos meios apontados. A oração é particularmente mencio­nada como meio próprio a um de que esta terra extensa, já branquejando próxima à ceifa, seja segada enquanto for tempo.
Ê dever nosso não só orar neste sentido, mas instar com os membros de todas as igrejas debaixo do governo do nosso Presbitério para que se lembrem de pedir ao Senhor a graça de mandar ele mesmo obreiros para a sua seara.
Para Deus nada é impossível. Ele sempre acha os instrumentos de que carece. Se ele os quer de longe, não lhe faltará meios para trazê-los. Se ele os quer achar perto, a seu tempo fará ver os seus escolhidos. Ele é capaz de fazer sair da boca de crianças um louvor perfeito, ou se nem estas querem bendizer o Senhor fará com que clamem as mesmas pedras.
Porem a escolha e a vocação de Deus não tomam desnecessários os nossos esforços. Se estes obreiros vêm de países estrangeiros são obrigados a apren­der uma nova língua e acostumar-se aos usos de uma nova terra. Este fato de per si faz crer que a maior parle dos obreiros no Brasil tem de ser do país.
Toda a experiência prova que Deus não vai longe em procura de seus instrumentos. Se não os acha já prontos à sua mão, ele os cria.
Mas ele os cria conforme um plano sabido e já executado em muitas par­tes do mundo. Pela pregação do Evangelho chama os seus escolhidos. Por seu Espirito os ilumina e regenera e converte. Mas isto não é tudo. Nem todo cristão zeloso é apto para ensinar a seus semelhantes da cadeira evangélica. Por mais forte que seja a vontade de anunciar as boas novas de salvação a todo o mundo, sem estudos e a prática de falar, não pode fazê-lo com bom êxito. Não há dúvida. Deus pode por meio de dons extraordinários converter pescadores em Apóstolos sem intervenção de escolas nem livros. Aqui não se trata do poder de Deus. Sabemos que para o Senhor nada é impossível. A nossa tarefa se limita ao estudo do plano que ele de fato se digna seguir na escolha e preparação de seus instrumentos. A conclusão a que chegamos é que na falta dos dons extraordinários tais como o dom das línguas e o da inspiração divina é forçoso haver escolas, livros e mestres. Aqueles que mos­trarem alguma vontade e aptidão para serem ministros da palavra de Deus, deverão ser provados e desenvolvidos por estudos próprios para este fim.
Neste século importa que os ministros de Cristo sejam instruídos não só nas doutrinas da salvação, mas também nas ciências, a fim de que sejam capazes de dar uma razão de sua fé em resposta aos que contradisserem a verdade. Todo o conhecimento é útil para o pregador do Evangelho, e quanto é possível, devemos esforçarmo-nos para não ficar aquém dos que nos rodeiam São Paulo foi instruído em todos os conhecimentos da sua época a ele coube o dever de explicar com a maior perfeição os grandes dogmas da fé de Cristo. Em todos os séculos os servos mais influentes e mais úteis tinham além dos dotes superiores da inteligência estudos profundos e longos.
Outro meio indispensável para assegurar o futuro da igreja evangélica no Bra­sil é o estabelecimento de escolas para os filhos desses membros. Em outros países é reconhecida a superioridade intelectual e moral da população que pro­cura as igrejas evangélicas. O evangelho dá estimulo a todas as faculdades do homem e o leva a fazer maiores esforços para avantajar-se na senda do progres­so. Se assim não suceder entre nós a culpa será nossa. Se a nova geração não for superior à atual não teremos preenchido nosso dever.
É de confessar que a educação há de encontrar grandes obstáculos provenientes de muitas causas. Muitos pais são descuidados a este respeito, nem querem fazer os sacrifícios precisos para educarem seus filhos Estes da sua parte não estando acostumados a obedecerem a seus pais não gostam do regime de uma escola bem dirigida. Os costumes do país e a falta de confiança e moralidade não permitem que uma escola central seja frequentada por todos como sucede nos Estados Unidos. Faltam professores e professoras com a prática necessária para bem desempenha­rem esta missão e o governo ainda não admite a instrução livre. Mas é necessário não cedermos a nenhum obstáculo. Embora não seja possível desde já fazer o que se quer, devemos ter sempre em vista como alvo a instrução e educação da nova geração. Sendo este meio indispensável temos razão em esperar que Deus nos deparará os meios de atingi-lo.
Terminando esta indicação dos meios próprios para plantar o Reino de Cristo no Brasil, não posso deixar de acrescentar mais outra consideração.
O resultado do emprego destes meios, como também as forças precisas, dependem de Deus. Ficarmos no emprego dos meios sem pedir a Deus que opere por eles e com eles seria um erro fatal.
Nada devemos empreender sem suplicar a Deus que envie do alto o seu Espírito para assegurar-nos êxito. Por conseguinte, a oração é a condição indispensável a fim de que possamos sair bem da empresa aqui encetada. A oração do justo, sendo fervorosa, pode muito. Se Deus é por nós, quem será contra nós?
O meio de nos assegurai da presença de Deus é a oração
Vigiemos, oremos e trabalhemos, e Deus velará por nós e por sua igreja.

Referência Bibliográfica
SIMONTON, A. B. O diário de Simonton – 1852-1866. 2ª ed. revisada e ampliada com mapas e fotos. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002.





[1] Rev. James Cooley Fletcher atuou como missionário no Brasil entre 1851-1869, com intervalos em que retorna aos Estados Unidos por diversas razões. Apesar de não ser devidamente reconhecido na bibliografia histórica presbiteriana, ele foi um pioneiro e contribuiu de forma consistente para a implantação do protestantismo no Brasil. cf. http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/2013/10/fichario-biografia-james-cooley-fletcher.html
[2] O presente trabalho encontra-se em manuscrito na caligrafia do Rev. Modesto Perestrello Barros de Carvalhosa, encadernado com Relatório ao Presbitério do Rio de Janeiro, no Arquivo Presbiteriano. A ortografia foi atualizada.