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quarta-feira, 29 de março de 2017

Protestantismo na América Latina: Catolicismos Ibero-americanos X Protestantismo Anglo-Saxão


            Tendo como objetivo resgatar um pouco da história do protestantismo na América Latina, estamos utilizando o relatório preparado pelo Rev. Erasmo Braga da Conferência do Panamá, que como vimos no artigo anterior se constitui em importante marco histórico das atividades missionárias protestantes nos países latinos americanos.
            Ele inicia seu Relatório com uma análise, na ótica protestante, do Continente Latino Americano. Inicialmente ele destaca os aspectos distintivos do Continente Anglo Americano e Latino Americano, que dentro de suas perspectivas perpassa pela questão religiosa que se constitui em uma matriz do diferencial entre os dois extremos do Continente Americano.
            Após definir dois termos importantes: latinos, como sendo aqueles países que foram colonizados pelos espanhóis e portugueses cuja matriz religiosa foi o catolicismo romano; e os saxões que se constituem os países cujas colonizações tiveram uma matriz religiosa advindas de países que endossaram a Reforma protestante.
            Segundo Braga essas duas matrizes religiosas distintas e contrapostas se constituía no maior empecilho para que houvesse uma maior conciliação entre os dois extremos do Continente. A tendência dos governos latinos, influenciados pela religião católica desejosa de manter seu monopólio eclesiástico, era contemplar nos missionários protestantes, mormente advindos da América do Norte, como agentes “de penetração da influencia commercial, social e política dos Estados Unidos”. Desta forma, conclui ele, o fato de muitos destes países terem feito suas transições de independências ainda recentemente e os sentimentos nacionalistas ascendentes destes processos, acabavam por inibir muito do esforço e das atividades missionárias protestantes em toda região latino-americana. Havia varias propagandas que enxergavam nas atividades missionárias protestantes apenas um pretexto ou subterfugio para que América do Norte implantasse na América Latina seu “o leit-motiv civilizador”, em português mais popular, o que os norte-americanos queriam com seu esforço missionário protestante era tão somente as fontes de matérias primas e os mercados consumidores latinos.[1]
            Em sua análise sobre as diferenças entre América do Norte e América Latina, Braga inicialmente nomeia dois aspectos fundamentais, que ele chama de idiosycrasias: “as condições relativas em que se achavam o norte e o sul do continente na epocha do descobrimento, e em segundo logar—o typo de indivíduos que se vieram estabelecer nas duas zonas, desta parte do universo”.
            Enquanto no Norte a colonização se deu por povos que aspiravam aos ideais de liberdade e desenvolvimento, na região Latina os colonizadores apenas desejavam explorar seus recursos naturais. Enquanto no Norte a colonização foi efetuada por famílias que desejavam se estabelecerem e se constituíram em base para uma nova nação, nos países Latinos foram deixados os piores representantes das sociedades colonizadoras, bem como aqueles que desejavam apenas se enriquecerem, o mais rápido possível, para retornarem aos seus países de origem.
            Ele destaca também o fato de que no Norte prevaleceu o sistema democrático e o espírito de liberdade de expressão e de culto tão cara aos colonizadores “self-government”; enquanto no lado Latino prevaleceu o espírito absolutista e déspota de governar, sustentado pela organização unitária, hierárquica e dogmática do catolicismo romano.
            Por questão de espaço, ficaremos nessa primeira parte da análise das diferenças entre os dois lados do Continente Americano, proposta por Braga, conforme abaixo transcrito. Evidentemente que sua análise representa uma perspectiva do protestantismo latino-americano que pouca representatividade tem nas estatísticas de seus respectivos países. O próprio Congresso do Panamá foi um esforço enorme para fortalecer e expandir os esforços e presença do trabalho missionário protestante que pouco antes estava arrefecido nesta área do globo terrestre. As juntas de missões europeias estavam migrando rapidamente para a África, Índia e China, de maneira que os protestantes estadunidenses tornaram-se fundamentais na continuidade dos esforços missionários protestantes na América Latina. De maneira que se esses últimos tivessem tomado a mesma direção dos europeus, todos os esforços protestantes de mais de cinquenta anos atuando dentro dos diversos países latinos teriam sido frustrados e certamente países como o Brasil teriam uma configuração religiosa totalmente diferente da atual. É dentro desta perspectiva até certo ponto apocalíptica, para o protestantismo latino/brasileiro, que precisamos ler o relatório da Conferência e do próprio Braga.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/

CONSPECTO RELIGIOSO DO CONTINENTE AMERICANO[2]
Dentre todas as differenças que separam os elementos anglo-americanos dos latino-americanos neste continente, avultam as concepções religiosas diversas que se accentuam no Catholicismo Romano dos povos ibero-americanos e o Protestantismo. Este, com sua expansão missionária que irradia dos Estados Unidos e, em pequena proporção, de vários pontos da Europa em direcção á America, ha mais de meio século tem permeiado as populações da America Latina.
Convém, de principio, frisar que, no estudo dos problemas sociaes e religiosos do continente americano, deve definir-se com clareza o que se entende por elemento latino e saxonio. Elemento latino é o que se embebeu da tradição e da cultura latina trazida pelos conquistadores da America; saxonios são os habitantes da America cujo caracter social foi moldado na tradição e cultura implantada no norte do continente pelos colonisadores anglo-saxonios. A definição desses termos, lançada em linhas restrictamente ethnicas não corresponderá á realidade. Na congerie de povos aqui accumulados desde a occupação e conquista até que as correntes immigratorias ultimamente come çaram larga e profundamente a alterar a composição das populações americanas, a tradição, a cultura, a religião dos conquistadores e colonisadores sobrepujaram todos os outros elementos constitutivos de nosso typo social.
Assim é que na analyse das componentes de nossa massa social, deve-se attender muito mais ao valor das tendências intellectuaes, ao theor espiritual dos dois grandes elementos que formam o grosso da população das Américas, que aos outros factores ethnicos.
E nenhuma nota é mais freqüente nos escriptores que modernamente têm estudado os problemas sociaes do continente americano que a da necessidade de um vinculo religioso que caldeie os elementos vários da America Latina em um novo continente. Por isso, a differença de concepções religiosas que separam os saxonios dos latinos constitue, conforme a opinião mais vulgarisada nos povos latino-americanos, um serio embaraço para a aproximação intima de saxonios e latinos na America.
Para mais aggravar a importância desta discordância de cor religiosa, a rcacção contra a propaganda evangélica nos paizes latino-americanos tem uniformemente appresentado os missionários saxonios enviados da America do Norte para os paízes situados ao sul do Rio Grande, como agentes de penetração da influencia commercial, social e politica dos Estados Unidos. Assim, a conservação dos sentimentos nacionalistas e a salvaguarda da independência politica na America Latina affecta no espirito popular, mui freqüentemente, a forma de reacção contra a religião que se suppõem ser a da maioria dos saxonios no continente colombiano. É thema favorito dos publicistas que expõe com franqueza a sua inquietação quanto ás conseqüências que trará para a America Latina o imperialismo que julgam discernir nos anglo-americanos. Ainda recentemente Oliveira Lima affirmou que "o pretexto humanitário, o leit-motiv civilisador de que os Estados Unidos fazem consumo especial " ha-de acompanhar na conquista de toda a America pelos saxonios " reali-sada como ha-de ser pelos seus missionários, caixeiros viajantes da religião, e pelos seus commerciantes, missionários do industrialismo."
A differença de concepções religiosas nos dois elementos anglo- e latino-americano, correspondem ainda a um certo numero de contrastes, que, embora tenham caracterisação própria, são, todavia, no fundo modalidades resultantes da evolução religiosa e social sobre directrizes diversas.
Ha, primeiramente, as idiosyncrasias peculiares de cada um dos elementos mencionados, que servindo de padrão por que os anglo-americanos e latino-americanos se aferem mutuamente resultam em que cada um julga o outro abaixo do par. Taes idiosyncrasias resultam primariamente de dois factores: as condições relativas em que se achavam o norte e o sul do continente na epocha do descobrimento, e em segundo logar—o typo de indivíduos que se vieram estabelecer nas duas zonas, desta parte do universo.   No norte, a população precolombiana era escassa e compunha-se de tribus nômades semiselvagens, ao passo que, do México para o sul, os conquistadores encontraram a terra densamente povoada e, especialmente na costa do Pacifico, as sociedades estavam organisadas em uma esplendida communidade um tanto barbara, mas cohesa, em caminho de uma civilisação peculiar. Os que estabeleceram as colônias anglo-americanas foram os peregrinos do 11 May Flower," homens austeros, que vinham buscar na America a liberdade religiosa, fugindo á oppressão politica mas conservando-se leaes á mãe-patria. Vieram também aventureiros, mas em pequena minoria e não representavam a orientação moral dos pioneiros da civilisação na America do Norte. Os que trouxeram a cultura latina c suas tradições para a America vinham dos paizes da Europa onde ardiam as fogueiras da Inquisição e o fanatismo religioso do typo romano dominava—eram os sequazes de Pizarro, Cortez, Balboa e Pedro d'Avila, eram militaristas aventureiros uns, nobres da mais orgulhosa estirpe outros, que devastaram, saquearam e ensangüentaram as terras em que
".   .   .  Foram dilatando A Fé e o Império. .  .  . " 1
[1 Camões—Lusiadas—Cl. est- I].
Para o lado do Atlântico, a primeira leva de colonos trazida por Thomé de Sousa (1549) comprehendia 400 degradados e 6 jesuítas, alem dos homens de armas e aventureiros que formaram a primitiva população portugueza do Brazil. A conquista ainda mal acabada attrahiu para a America Latina um exercito de burocratas, funccionarios de governo, ordinariamente jovens de nobreza, que vinham buscar, apoiados por parentes e padrinhos poderosos posições lucrativas e promoções, indivíduos que Fedcrico Alfonso Pezet descreve como " gastadores sem vintém, que na pátria nunca se tinham habituado ao trabalho . . . movidos da ambição de conseguir elevados salários porque não tinham apprendido uma profissão nem como se ganha a vida pela industria e pelo trabalho." 1
[1 F. A. Pezet—Contrast (Pan-American Union) pag. 7].
Em segundo logar, os povos que se originaram de fontes tão diversas, appresentam porisso mesmo feições differentes—os anglo-americanos, antes que a corrente immigratoria alterasse as suas condições primitivas eram um povo homogêneo, muito embora varias classes sociaes e nacionalidades compuzessem a população das antigas colônias anglo-americanas. Nas colônias latino-americanas outra é a natureza das populações que se formaram depois da conquista. Os soldados e aventureiros que para aqui vieram, não trouxeram suas mulheres e famiÜas, sinão muitos annos depois da conquista e em conseqüência, desde o começo, as relações que mantinham com as mulheres do paiz deram origem a uma raça de mestiços, acerescida á dos primitivos donos da terra, e a que depois ainda se aggregou a grande somma de escravos negros, importados da África, e que tão largo papel representam na formação ethnica, nas tradições, e nas ideas religiosas, especialmente em pontos na costa do Atlântico.
Em terceiro logar, nas colônias anglo-americanas estabeleceu-se uma communidade em que o individualismo resultante do livre exame, e os princípios do governo democrático tão característico das congregações dos puritanos, tinham habituado ao "self-government". Os conquistadores latinos da America vieram de paizes onde o absolutismo e o militarismo os tinham habituado a dominar, mas não os tinham ensinado a governar. E sobre isso a organisação unitária do Romanismo, com a sua hierarchia, com seu dogmatismo, concorreu para tornar o terreno da America Latina pouco propicio ao desenvolvimento sobre elle dos ideaes democráticos que viçaram tanto no norte de continente. Do despotismo, os povos ibero-americanos passaram abruptamente para um regime democrático para que não estavam preparados.
E por ultimo, a cultura latina implantou-se na America tropical, em taes condições climatericas que essa se afigura a certos estudantes da America Latina, como Ross, ser uma das causas principaes do atrazo sinão do retrocesso destes povos. O conquistador e seus sequazes acharam ainda mais o ouro fatídico nas mãos dos indios, e com elle se relacionam as grandes tragédias de nossa historia. O clima e a riqueza fácil têm muito que ver com o estado moral da America Latina.
Assim pois, idiosyncrasias diversas, a própria composição das populações que representam o espirito saxonio e o latino na America, a sua evolução politica e social, em que a religião é factor muito importante, e o ambiente entram em contribuição para contrastar os dois typos cm que se divide a humanidade em nosso continente.
[Transcrito da obra de Erasmo Braga: Pan-americanismo: aspecto religioso, cf. referência bibliográfica] 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/


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[1] Essa perspectiva se mantém até o presente, onde os historiadores de cunho marxista realimentam continuamente o ideário de que todas as mazelas dos países latinos, incluindo o Brasil, são decorrentes dos interesses comerciais e mercadológicos norte-americanos. Todavia, não mencionam que esses países, bem como o Brasil, permaneceram por trezentos anos escondidos do mundo e condenado à toda sorte de malefícios decorrentes desta alienação, pelos seus respectivos invasores, transvestidos de colonizadores. Bem como amenizam o fato de que as grandes repúblicas latinas mantiveram as mesmas atitudes em seus respectivos países, sustentando e sustentados pela religião oficial católica romana.
[2] Será mantido o texto em sua composição original.