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quinta-feira, 15 de junho de 2017

O Centenário do Presbiterianismo no Brasil


O presbiterianismo é um dos primeiros ramos evangélico protestante a se estabelecer no Brasil. Desde a chegada do jovem missionário Rev. Ashbel Green Simonton (12 de agosto de 1859) até a virada do século, ou seja, pouco mais de quarenta anos o presbiterianismo desenvolveu-se de forma extraordinária, levando em conta o número limitado de missionários e pastores. Um dos fatores fundamentais para essa expansão foi a ordenação do ex-sacerdote católico romano José Manoel da Conceição como primeiro pastor presbiteriano brasileiro. Com um trabalho itinerante ininterrupto saindo pelo interior do estado de São Paulo e penetrando no estado de Minas Gerais Conceição vai estabelecendo núcleos presbiterianos que serão organizadas pelos missionários e pastores que vem em sua esteira. O historiador William R. Read em sua excelente coletânea de estatística do protestantismo no Brasil trás os números estatísticos do presbiterianismo publicados em 1890:
47 presbíteros, 62 diáconos, 389 profissões de fé, 3.199 membros comungantes e 1.461 membros não comungantes e contribuições, que atingiam US$13.856,00‖ (1967, p. 55).
Todas as conjecturas – uma mensagem definida, um povo ávido e uma estratégia apropriada - indicavam que presbiterianismo no Brasil continuaria firme e forte em sua expansão no país. Mas a formação de nuvens escuras indicava que uma tempestade aproximava-se rapidamente, de maneira que, ainda no seu nascedouro ela vai experimentar o inicio do triste ciclo de pequenas e grandes divisões eclesiásticas que haverão de minar o entusiasmo e a expansão crescente – culminando na grande ruptura em 1903 que dividira pela primeira vez, infelizmente não única, o presbiterianismo brasileiro em duas denominações: Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) e Igreja Presbiteriana Independente (IPI).
Desde esta primeira grande cisão ocorrida em 1903 não se teve uma oportunidade tão grande de uma aproximação, cooperação e até mesmo um anseio de unificação entre os dois maiores segmentos do presbiterianismo brasileiro, do que a comemoração do Centenário do presbiterianismo no Brasil, que aconteceria em 1958.
A Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) vinha de um período de letargia preocupante, sua proposta evangélica tão bem recebida na zona rural jamais foi igualmente aceita nos grandes centros urbanos; se ―nas décadas de 1910 e 1920, apontavam um crescimento de 78% por década da Igreja Presbiteriana, de 1931 a 1941, indicaram que o crescimento foi de apenas 31% (PIERSON, 1974, p. 179), e continuava decrescente em sua expansão, agravada cada vez mais por problemas econômicos com déficits contínuos.
Em relação ao decréscimo da membresia da IPB Pierson faz a seguinte leitura:
[...] Batistas e pentecostais, com organizações mais flexíveis e voltadas para as camadas mais baixa da população, cresceram rapidamente, superando os presbiterianos e outros grupos evangélicos tradicionais. Um culto mais informal e emocional se contrapôs às contidas experiências litúrgicas dos presbiterianos. (1974, p. 179, Apud FARIA, 2002, p. 80)
Mas, desde a reunião do SC em 1946, quando é lançada oficialmente a “Campanha do Centenário” na presidência do Rev. Natanael Cortez, ressurgem um entusiasmo contagiante nas possibilidades reais de uma retomada da expansão e recolocação da IPB como referencial do protestantismo brasileiro, com objetivos ambiciosos que Ferreira registra (1959, p. 432-433).
Para alcançar os objetivos propostos foi criada a “Comissão Central do Centenário” em 1948, cujo primeiro presidente foi o Rev. Avelino Boamorte. Mas obstáculos foram surgindo, falta de recursos, meios de comunicação ineficientes, somados a outras duas questões eclesiásticas sérias: os debates acirrados em torno da reforma da Constituição e seu Código de Disciplina, que somente foram resolvidas na reunião do Supremo Concílio em 1950,[1] e a questão fundamentalista produzida pelo Rev. Israel Gueiros[2] a partir do Seminário do Norte.
Um novo impulso da Campanha do Centenário vai ocorrer após a eleição do Rev. Benjamim Moraes Filho a partir de 1950. A Comissão agora tendo como Secretário Executivo o Rev. Antonio Elias[3] reúne-se em São Paulo em 1951, na Alameda Jaú, na recém-criada congregação presbiteriana da IPUSP, com a presença ex oficio do Rev. José Borges dos Santos Jr, que já ocupava uma liderança expressiva na IPB. Nesta ocasião, contando com representantes das agências missionárias norte-americanas operando no Brasil (Brasil Central, Leste, Oeste, Sul e Norte), resolve colocar dois missionários estrangeiros o Dr, Edwyn Orr e o Rev. William Dunlap, evidentemente sustentados pelas missões, para divulgar em tempo integral e por todo o país os objetivos da Campanha e assim contagiar e envolver as igrejas, suas lideranças e membresia. (FERREIRA,1992, v.2, p. 446) no que foram bem sucedidos.
A partir deste momento o Rev. Borges vai participar intensamente de todos os esforços da Campanha do Centenário, primeiramente envolvendo sua igreja em São Paulo a Igreja Presbiteriana de São Paulo (IPUSSP) e depois, após sua primeira eleição à presidência do Supremo concílio (SC) ele vai atraindo cada vez mais apoio incluindo outros seguimentos do protestantismo no Brasil, de maneira que a comissão recebe uma nova nomenclatura: “Comissão Presbiteriana Unida do Centenário” (CPUC), da qual Borges assume a presidência e a relatoria até o final. As mobilizações se multiplicam por todo o país, em Recife, Rio de Janeiro, Londrina e cada uma das grandes capitais estaduais.
Incansável Borges vai agregando novos objetivos à Campanha, entre eles a criação do Museu Presbiteriano e o lançamento de um selo comemorativo pelos Correios, bem como vai ampliando cada vez mais o roteiro de programações comemorativas, bem como o leque de organizações cristãs, como a Aliança Mundial Presbiteriana e a Confederação Evangélica do Brasil, bem como à Igreja Presbiteriana do Japão, que haveria de comemorar seu Centenário no mesmo ano de 1959 e as de Portugal e Chile onde a IPB e particularmente Borges se empenhava arduamente em projetos de implantação e cooperação. Informações mais detalhadas das propostas do Centenário podem ser encontradas no Digesto Presbiteriano (SC-58-181 – Comissão do Centenário - Quanto ao Doc. 64 – edição online).
Na esteira das comemorações do centenário, Borges vai fomentar a criação de um órgão gestor especifico de imprensa, através de um Relatório da SE (janeiro/1958),[4] visando municiar a IPB de adequados e eficientes meios de comunicação, o que vai ocorrer na reunião SC 1958, conforme resolução:
Plano Permanente: 1) Criar um órgão nacional para administração de todas as publicações presbiterianas, que se chamará Departamento Presbiteriano de Imprensa; 2) Nomear uma Comissão Organizadora, de nove membros, sendo cinco da IPB, dentre os quais constarão o Presidente e o Secretário Executivo do SC, dois da Junta de Nova York e dois da Junta de Nashville, encaminhando ao CIP o pedido para que cada Junta nomeie os seus respectivos representantes; (DIGESTO, SC-58-213 - edição online - Itálico meu)
Nesta mesma resolução é definido o nome do novo Jornal oficial da igreja “Brasil Presbiteriano”, substituindo o oficial “O Puritano” e o ex-oficial o “Norte Evangélico”, bem como sua primeira diretoria: Diretor Redator: Pb. prof. José Maurício Wanderley; Redatores: Reverendos: Domício Pereira de Mattos, Eudaldo Lima, Sabatini Lalli, Oswaldo Soeiro Emerich e Pb. David Mendonça. (DIGESTO, 1951-1960, SC-58-213). A partir deste momento a IPB tem seu instrumento de comunicação nacional, que funcionara como caixa de ressonância das opiniões multiformes que compõem o mosaico denominacional, até o ano de 1966, quando se tornara um instrumento unilateral e representara apenas as opiniões favoráveis dos que assumem a liderança eclesiástica da igreja e deste ranço jamais se libertou até hoje, como o famigerado “A Voz do Brasil” continua no ar apesar dos mandatários da política nacional se alternar no poder.
Mas a menina dos olhos das comemorações e particularmente para Borges sem dúvida era a criação do Seminário Presbiteriano do Centenário (SPC), que erigido a um esforço hercúleo e fecundado das maiores expectativas e sonhos, vai sofrer um infanticídio causado pelos movimentos intestinos que convulsionariam a IPB, logo após este momento apoteótico, o qual será abordado em artigo à parte.
Apesar dos percalços e posteriores desdobramentos as comemorações do Centenário foram realmente empolgantes, e praticamente todos os seus objetivos propostos foram alcançados, ainda que alguns como mencionado não perdurassem por muito tempo.
O momento culminante do Centenário foi o culto realizado no dia 12 de agosto de 1959, na Catedral Presbiteriana da Rua Silva Jardim, 23, no centro da cidade do Rio de Janeiro, o marco do inicio das atividades presbiteriana com o seu pioneiro, o jovem missionário Ashbel Green Simonton, que com sua morte tão precoce, acometido de doença tropical, tornou-se a sementeira do presbiterianismo brasileiro.
Pela primeira vez um Presidente da República, Juscelino Kubitschek, participou de uma cerimônia religiosa protestante, permanecendo mais do que o tempo protocolar previa e desta forma tendo a oportunidade de ouvir a pregação. O Supremo Concílio reunido extraordinariamente em 10 de agosto formou uma comissão com mais de 50 membros do plenário, compareceram à Câmara dos Deputados para ouvirem discursos feitos pelos políticos evangélicos alusivos ao Centenário da IPB. Este momento histórico marca o ápice da vida, liderança e ministério do Rev. José Borges dos Santos Jr.
Diferentemente da Igreja proposta por Jesus e esboçada na literatura do Segundo Testamento, onde o amor, o perdão e o companheirismo devem sempre reger suas relações interpessoais, na igreja institucional, predomina a frieza implacável dos interesses pessoais e das intenções nem sempre claras, ainda que nas entrelinhas e nas sutilezas dos fatos revelados se possam perceber algo significativo e passível de ser analisado e interpretado, que se constitui na árdua tarefa do pesquisador.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Outro Blog
Reflexão Bíblica


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Rev. José Borges dos Santos Jr. (O Velho Mestre)
Rev. Richard Shaull (O Jovem Mestre)

Referências Bibliográficas
CASTRO, Luís Alberto de. A Trajetória do “Velho Mestre: Uma Biografia do Rev. José Borges dos Santos Júnior – um recorte historiográfico da Igreja Presbiteriana do Brasil. Dissertação (Mestre em Divindade) – Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, São Paulo, 2011.
FARIA, Eduardo Galasso. Fé e Compromisso – Richard Shaull e teologia no Brasil. São Paulo: ASTE, 2002.
FERREIRA, Júlio Andrade. História da Igreja Presbiteriana do Brasil, vol. 1 e 2. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1959.
GUEDES, Ivan Pereira. O protestantismo na capital de São Paulo – a Igreja Presbiteriana Jardim das Oliveiras. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013. Orientador: Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira.
KIDDER, D. P. e FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros – esboço histórico e descritivo, v. 1. Brasiliana – Biblioteca Pedagógica Brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941 [Tradução da 6ª. edição em inglês - Elias Dolianiti e Revisão e Notas de Edgard Sussekind de Mendonça].
LÉONARD, Émile G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. 2ª ed. Rio de Janeiro e São Paulo: JERP/ASTE, 1981.
MAFRA, Clara Cristina Jost. Os evangélicos; IN: Série Descobrindo o Brasil, ZAHAR, Jorge, ed. Rio de Janeiro: 2001.
PIERSON, Paul E. A Youger Church in Search of Maturity – presbiterianism in Brazil from 1910-1959. San Antonio: Trinity University Press, 1974.
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RIVERA, Paulo Barreira. A reinvenção de uma tradição no protestantismo brasileiro – a igreja evangélica brasileira entre a bíblia e a palavra de Deus. IN: PEREIRA, João Baptista Borges (org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade e São Paulo, 2012.
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_________________________ (1961-1970), edição online. Disponível em: http://www.ipb.org.br/download/arquivos/digesto_ipb_1961-1970.pdf. Acesso em: 15/05/2013.




[1] Em 20/07/1950, na histórica Igreja Presbiteriana Alto Jequitibá, na Zona da Mata mineira, deu-se a promulgação da Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, no interior do templo, contendo a Constituição 152 capítulos que vigora até os dias de hoje. Assinaram a Constituição os Revs. Adolpho Anders, Rev. Domício Mattos, Rev. Benjamim Morais (Presidente do Supremo Concílio), Rev. Natanael Cortez, Rev. Jader Gomes Coelho, Rev. Amantino Adorno Vassão, Rev. Cícero Siqueira e o Presbítero Torquato Santos.  CONSTITUIÇÃO E CÓDIGO DE DISCIPLINA DA IPB. Disponível em:  http://www.ipb.org.br/download/manual_presbiteriano.pdf. Acesso em 15/05/2013.
[2] Cada vez mais sem espaço na IPB, incluindo sua própria região norte, em 1956 ele lidera uma cisão na Igreja Presbiteriana do Recife, tendo apenas três pastores como aliado, sendo um deles seu aparentado e mais três pequenas congregações próximas, fundando a Igreja Presbiteriana Fundamentalista.
[3] Antônio Elias nasceu em 11 de maio de 1910, em Aparecida do Monte Alto (SP), e faleceu no dia 21 de dezembro de 2007, em Niterói (RJ). Formou-se em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul, em Campinas (SP) em 1943 e foi ordenado ao sagrado ministério pelo Presbitério Oeste de São Paulo, em janeiro de 1944.
[4] Em seu trabalho Castro coloca na integra, em seus anexos, o Destaque 4 deste relatório no qual Borges concluiu: “Aliás, não estaremos inovando, nem inventando, mas apenas imitando o que as outras denominações de publicidade bem organizada no Brasil já faziam. Não será nem o mérito da originalidade, mas, quando muito, o mérito de usar o bom senso” (2011, Anexo n° 6).

terça-feira, 6 de junho de 2017

Síntese da História da Igreja Cristã -1º Século


O Nascimento e Crescimento
O cristianismo emerge lentamente do judaísmo. Os primeiros cristãos são judeus, frequentam o Templo, pregam nas sinagogas e o esforço inicialmente evangelizam os judeus. Somente posteriormente com Saulo/Paulo de Tarso o foco da pregação cristã serão os gentios. Somente após a queda de Jerusalém com a destruição do Templo é que será cada vez mais nítida a distinção entre o judaísmo e o cristianismo, de maneira que ao adentrar o segundo século o cristianismo sua trajetória histórica independente.
Por volta do ano 30/33, em abril, Jesus morre crucificado e ao terceiro dia ressurge dentre os mortos na cidade de Jerusalém.  Sua morte produziu um impacto violento na vida de seus discípulos que com ele haviam andado por toda Palestina judaica anunciando a mensagem evangélica do Reino de Deus e do arrependimento para a salvação e a vida eterna. Toda esperança que os alimentara por três anos entra em colapso. Tomados pelo pânico seus discípulos se escondem, com medo de serem perseguidos pelas autoridades judaicas que viam em Jesus um grande perigo para sua instituição religiosa ou presa pelos romanos, que não gostam de agitadores judeus. Mas na medida em que sua ressurreição vai sendo aferida pelos seus discípulos e demais testemunhas, sua confiança e esperança vão se manifestando em suas pregações cada vez mais ousadas e intrépidas, cumprindo o que Jesus lhes havia ordenado – que anunciassem o Evangelho!
Após a festa do Pentecostes conversões em massa começam acontecer em Jerusalém e se estendem pela Judéia e Samaria. Os primeiros estrangeiros (gentios) começam a serem inseridos nas comunidades cristãs, como o centurião Cornélio e todos de sua casa. Entretanto, nem os mais otimistas dos observadores daqueles primeiros anos poderia imaginar que o cristianismo pudesse vir a ser a potência que se tornou ao longo dos séculos.
 No entanto, a distinção definitiva do cristianismo em relação ao judaísmo de onde havia inicialmente surgido será um processo lento e doloroso. Ainda nos dias de Jesus, o judaísmo é caracterizado por suas divergências e seitas - como os saduceus, os fariseus, os essênios e zelotes – que interagem uns com os outros, muitas vezes desprezando ou ignorando. O movimento de Jesus em pouco menos de três anos atraiu uma multidão de seguidores para compartilharem de sua visão de Deus e da Torá.
Além disso, a pregação (kerigma) apostólica é que Jesus veio para cumprir todas as profecias escatológicas messiânicas anunciadas e preservadas nos escritos dos profetas, que acalentou toda a esperança do coração dos oprimidos judeus durante dois séculos, que viviam sob a tutela das potências estrangeiras.
Em um primeiro momento os primeiros cristãos não tinham qualquer preocupação em se distinguirem dos demais judeus e iam ao Templo para fazerem suas orações, permaneceram na cidade de Jerusalém para anunciarem as boas novas evangélicas. Reúnem-se nas casas para compartilharem seus ensinos e ritos peculiares, como a ceia por exemplo. Pedro assume a liderança do grupo apostólico e as comunidades cristãs se multiplicam por toda grande Jerusalém – então surgem os primeiros conflitos com as autoridades judaicas.
O diácono Estevão, de origem helenista, que vivera fora da Palestina em decorrência da Diáspora, trava um debate com as autoridades judaicas resultado de sua condenação pelo Sinédrio e posterior apedrejamento às portas da cidade (35 d.C.). Expulsos de Jerusalém, os cristãos, principalmente helenistas, não vão ficar parados: eles fundaram comunidades em Antioquia, Chipre, Fenícia, Damasco e serão os primeiros a anunciarem a mensagem evangélica aos povos estrangeiros.
Enquanto isso, Saulo de Tarso, um judeu nascido na Cilícia (atual Turquia), estudante da cultura helenística e com cidadania romana, se dispõe a caçar esses hereges do judaísmo, pois ele é extremamente zeloso da Torá e do Templo. Munido de autoridade e documentos ele inicia suas atividades em Jerusalém e adjacências, logo percebe que precisa atingir os focos cristãos que se espalham foram da Palestina judaica.  
Um dia, quando ele empreende uma viagem para cidade de Damasco com o propósito de dispersar uma comunidade cristã recentemente criada, o próprio Jesus Cristo ressurreto lhe aparece (...) não sabemos muito sobre a conversão do perseguidor, que inclusive havia sido a autoridade representante do Sinédrio no apedrejamento do diácono Estevão. De qualquer forma esse Saulo haverá de se constituir em o Apóstolo Paulo e que agora vai usar o seu zelo no serviço do Evangelho.
Após um período na Arábia coube a Barnabé buscar Saulo e inseri-lo na comunidade de Antioquia, que vai se constituir na base missionária do cristianismo para alcançar a Ásia Menor nos anos 40. A estratégia deles é adentrar primeiramente nas Sinagogas judaicas, mas o resultado normalmente é frustrante e não poucas vezes foram hostilizados e perseguições pelos judeus. Ao serem expulsos das Sinagogas pregavam então aos moradores das cidades onde estavam e que recebem a mensagem cristã de forma positiva.
Ao retornarem da primeira viagem missionária, para a base em Antioquia, e compartilharem a boa recepção por parte dos estrangeiros e da forte rejeição dos judeus, Paulo e Barnabé são confrontados com a chegada a esta cidade de cristãos advindos de Jerusalém (judaico-cristã) que proclamam a necessidade da circuncisão para a salvação. O conflito gera a necessidade de se reunir as lideranças cristãs na Igreja de Jerusalém, que goza de grande autoridade. Tiago, irmão de Jesus, aparece neste momento como o líder carismático e indiscutível desta Igreja. Durante este primeiro Concílio, realizado por volta do ano 49, respaldada por Tiago, Pedro e João sai a resolução apoiando a tese de Paulo e Barnabé de que não há necessidade de colocar sobre os novos convertidos o peso do judaísmo, estabelecendo alguns poucos pontos que serão comuns a todos. Esta é a primeira ruptura com a comunidade judaica, o primeiro sinal de independência da religião que está nascendo.
A década de 60 trás uma série de eventos que colocam em perigo o Cristianismo nascente: Tiago é morto; em 64, Nero desencadeia perseguições contra os cristãos na cidade de Roma; provavelmente nessa onda de violência religiosa/racial Pedro e Paulo são mortos. Em 70, é o drama maior dos judeus, mas também o marco da ruptura definitiva entre judaísmo/cristianismo: a revolta judaica contra os ocupantes romanos, iniciada em 66, levou à queda de Jerusalém e a destruição do Templo pelos exércitos do general romano Tito. A Igreja de Jerusalém perde sua relevância.
Quanto aos judeus, eles cerram fileiras em torno da escola judaica de Jâmnia. Impõe o judaísmo rabínico que sobrevive até hoje. Por volta do ano 90, a escola rejeitou outros movimentos judaicos discordantes. Os cristãos judeus são definitivamente eliminados do mapa do judaísmo. Não temos muitos documentos que possam reconstruir os eventos que levaram os cristãos a encontrar sua própria identidade após o drama do ano 70.
Segundo alguns pesquisadores a literatura cristã do primeiro século, no entanto, sugere que no ano de 100, a consciência de uma identidade cristã já é preeminente. No entanto, somente em meados do segundo século, com o florescimento das primeiras obras teológicas cristãs é que o Cristianismo assume de fato sua autonomia religiosa. Até então, o Cristianismo é mais um estilo de vida do que uma religião no sentido estrito.

Sucinta Cronologia do Primeiro Século da Igreja Cristã
-6 a -4
Nascimento de Jesus de Nazaré
-4
Morte do rei Herodes, o Grande
Por volta de 27-30
Jesus pregando na Judéia e da Galileia
30 de abril ou abril 33
Morte de Jesus
Por volta de 35-36
Martírio de Estêvão, a perseguição contra os cristãos helenistas
Cerca de 37
A conversão de Paulo
Por volta de 49-50
Primeiro Concílio de Jerusalém. A circuncisão não é obrigatória para os estrangeiros convertidos
60
Prisão de Paulo em Cesaréia
Entre 50 e 70
Edição e circulação dos evangelhos segundo Marcos, Mateus e Lucas.
62
Martírio de Tiago, irmão de Jesus e líder da igreja de Jerusalém
64
a perseguição de Nero contra os cristãos
Entre 64 e 68
Morte de Pedro e Paulo em Roma
66-70
Revolta judaica contra os romanos
70
Queda de Jerusalém, a destruição do Templo
90-100
Edição e circulação da literatura joanina

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Referências Bibliográficas
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BONNEAU, Guy. Profetismo e Instituição no Cristianismo Primitivo. São Paulo: Paulinas, 2003.
BROTTON, Jerry. Uma história do mundo em doze mapas. Tradutor: Pedro Maia Soares. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
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GIORDANI, Mário Curtis. História de Roma: antiguidade clássica II. 15.ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
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TROCMÉ, Etienne. L’enfance du christianisme. Hachette littérature, coll. Pluriel, 1999.