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terça-feira, 22 de outubro de 2013

INSERÇÃO DO PRESBITERIANISMO NO BRASIL (4)

A Expansão do Presbiterianismo com José Manoel da Conceição
O presbiterianismo transplantado por Ashbel Green Simonton e seus companheiros, certamente teria resultados extremamente lento e até mesmo frustrante, pois estavam trabalhando alienados da realidade cultural/social/religiosa da população brasileira em geral. Sua mensagem de um evangelho pejado do projeto liberal norte-americano, somente achava ouvidos atentos na classe média e alta, já impregnados dos conceitos filosóficos do liberalismo e encantados pelo progresso e ascensão econômica alcançada pelos países protestantes e que tinha na sociedade americana seu modelo ascendente, chamados por Vieira de “Os Amigos do Progresso” (1980, capto 4 e 5, pp. 83-112). Mas ainda que as elites brasileiras fossem atraídas pela mensagem progressista dos missionários americanos, o interesse deles se restringe tão somente aos aspectos de progresso através dos avanços tecnológicos, como fica evidente no interesse despertado por James C. Fletcher e suas exposições,[1] como também na questão educacional, evidenciado no apoio à implantação das escolas americanas em todo o território brasileiro. Mendonça expõe bem esta questão:
A elite liberal brasileira do século XIX era realmente cética — como se queixavam tanto líderes católicos como protestantes — ou estava interessada em permanecer comodamente em sua religião tradicional vivida sob o prisma iluminista, sem contar os que sinceramente desejavam uma reforma religiosa católica, como o padre Diogo Antônio Feijó. Embora a elite liberal brasileira não estivesse interessada na "religião" protestante como tal, ela acolheu os missionários como arautos do liberalismo e do progresso. Se o sistema educativo do protestantismo interessava de modo direto, o sistema religioso foi seguramente visto como corolário necessário e indescartável do primeiro. Era impossível permitir um e não permitir o outro. É por isso que a empresa missionária protestante no Brasil se dividiu em dois segmentos distantes e até antagônicos: a educação se dirigiu à elite, e a evangelização à massa pobre. Isso aconteceu não por estratégia missionária, mas por força da estrutura c ideologia da sociedade brasileira do século XIX. (2002, 2ª ed., p. 74-75 - grafia da época).
            Outro aspecto que empolgou as elites e o próprio Império era o fato de que o protestantismo, com sua fragmentação denominacional, não tinha força suficiente para se impor  e rivalizar com o Estado, como fazia a Igreja Católica. Como coloca Breno Martins Campos, eles viam a oportunidade de “[...] ficar com o bônus oferecido pelo protestantismo sem o ônus da concorrência [...]” (2012, p. 10).
A mudança radical e que impulsionou de fato o presbiterianismo no solo brasileiro foi a inserção do ex-padre José Manoel da Conceição (JMC). [2] Sua profissão de fé acontece no dia 23 de outubro de 1864 e sua ordenação como pastor presbiteriano ocorre em 17 de dezembro de 1865, pelo recém-formado Presbitério do Rio de Janeiro, que então era composto pelas igrejas do Rio de Janeiro, São Paulo e Brotas, tendo a última resultada de seu trabalho evangelístico juntamente com Rev. Alexander Latimer Blackford.
Ele por conta próprio, sem se deixar amarrar por qualquer fobia eclesiástica ou teológica, empreende viagens intermitentes pelo interior de São Paulo, Minas Gerais e Paraná estabelecendo núcleos presbiterianos, que posteriormente se transformariam em igrejas organizadas. [3]
Os resultados expressivos alcançados por Conceição acabou animando e despertando outros missionários e pastores de que a melhor estratégia de evangelização era sair dos grandes centros urbanos e focar nas cidades menores onde as pessoas eram mais acessíveis e estavam marginalizados em relação a assistência religiosa católica. Em seu livro Read destaca esta mudança de estratégia missionária:
O ex-Padre Conceição começou a realizar viagens extensas às áreas rurais, obtendo êxito maior do que tudo quanto se havia conseguido até então, mesmo nos centros maiores. Congregações maiores surgiram nas vilas e povoados rurais, bem como comunidades inteiras ficaram sob a influência do Evangelho. Desse modo, o Evangelho foi levado àqueles, que estavam mais pronto a ouvir e aceitar a mensagem, àqueles que sofriam menos pressão da Igreja Católica Romana, atingindo assim o impacto do Evangelho, um numero maior de pessoas. Daí em diante, o padrão missionário parece modificar-se, da concentração em centros maiores para a concentração nas áreas rurais, que cercam as cidades. [...] Todos os campos começaram a seguir este padrão. A fundação de igrejas nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, o confirmam. Os missionários deixaram os grandes centros populacionais do litoral e partiram para as áreas rurais do interior. Os resultados foram encorajadores, pois, grupos homogêneos e receptivos, e grandes famílias, foram conquistados para Cristo. (1967, pp. 50-51).

A Mudança da Estratégia Missionária
Outro fator que possibilitou esta expansão do presbiterianismo nesta fase inicial, destacado por Mendonça, é que a rejeição ou indiferença por parte das elites brasileiras à mensagem evangélica protestante, conforme anteriormente comentado, forçou os missionários presbiterianos a focarem outros segmentos sociais. E a trilha aberta por Conceição vai ser pavimentada e se tornar a grande estrada a ser percorrida pelos missionários e pastores presbiterianos.
Entre as elites com seus nobres, grandes fazendeiros e intelectuais, e os escravos, havia uma camada social composta por um número expressivo de pequenos proprietários de terra ou sitiante, mal assistidos pelo catolicismo e um contingente enorme de brancos, caboclos e negros livres que viviam completamente marginalizados da religião predominante. O trabalho produzido por Maria Sylvia de Carvalho Franco (1976) onde analisa o ciclo do café que no século XIX alcançou seu apogeu nas áreas do Rio de Janeiro e de São Paulo, e poderíamos incluir também o sul de Minas Gerais, pois formava uma só região socioeconômica, resgata com muita propriedade o contexto desta camada social que ela chama de “homens livres e pobres”, denominada pejorativamente de “ralé” e que se constitui em uma grande maioria da população brasileira. (1976, pp. 14 e 26).
ética calvinista embutida na mensagem evangélica presbiteriana, com sua proposta de organização e racionalização da vida, vai atrair e proporcionar a este segmento uma oportunidade de reestruturação social. Como afirma Sanchez ao falar da importância da religião:
Outra função da religião que é importante compreender é a socialização. A religião permite às pessoas criar novos laços de proximidade e compreender esses laços a partir do universo religioso. No interior das religiões, as pessoas criam redes de relacionamentos bastante palpáveis, que dão a elas segurança e conforto na contramão do anonimato. (2010 - entrevista)
Na medida em que estas pessoas iam sendo inseridas no rol de membros da Igreja Presbiteriana elas passavam a ter uma identidade social-religiosa, o que lhes proporcionava um sentimento de autoestima e lhes conferia uma dignidade que até então lhes era negada. Mas tudo tem um preço, e esta ascensão social vai inibir e/ou desacelerar o ímpeto evangelizador da igreja protestante nascente, como destaca Mendonça: “Os pobres que se converteram, apropriando-se da ética puritana que lhes serviu de mola propulsora, ascenderam à classe média em formação e perderam a força evangelizadora;” (2002, 2ª ed., p.75 – Itálico meu).
Portanto, é neste espaço geográfico e dentro deste contexto social que o árduo e profícuo esforço missionário iniciado por Conceição e endossado por seus companheiros, fez com que o presbiterianismo em poucos anos se tornasse uma denominação protestante forte e pujante.  
Em seu levantamento estatístico Read trás os números publicados em 1890 pela direção da Igreja Presbiteriana: “47 presbíteros, 62 diáconos, 389 profissões de fé, 3.199 membros comungantes, 1.461 membros não comungantes e contribuições, que atingiam US$13.856,00” (1967, p. 55).
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/

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Os Primeiros Convertidos e as Primeiras Igrejas Protestantes Brasileiras
O Trabalho Desenvolvido por Ashbel Green Simonton e Seus Companheiros
Baía da Guanabara no RJ: O Brasil dos primeiros missionários protestantes  http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/2013/12/protestantismo-em-imagens-baia-da.html
James Cool Fletcher: o primeiro missionário presbiteriano no Brasil
Primeiros Contatos - Invasões Francesa e Holandesa
As Primeiras Aberturas ao Protestantismo
A Transferência da Família Real Portuguesa
Independência e a Primeira Constituição Brasileira 


Referências Bibliográficas
CAMPOS, Breno Martins. Convergência de interesses: liberalismo e protestantismo no Brasil do século xix. Protestantismo em Revista, São Leopoldo, RS, v. 29, set.-dez. 2012.   http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp/article/download/347/474%E2%80%8E.  
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata- 4ª ed. São Paulo: Fundação Editora UNESP. 1997.
MAFRA, Clara Cristina Jost. Os evangélicos. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2001. [Série: Descobrindo o Brasil] 
MENDONÇA, Antonio Gouvêia e VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao protestantismo no Brasil, 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2002.
READ, William R. Fermento religioso nas massas do Brasil. São Bernardo Campo (SP): Imprensa Metodista, 1967.
SANCHEZ, Wagner Lopes. Pluralismo religioso: entre a diversidade e a liberdade. Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, 2010. http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/34166-pluralismo-religioso-entre-a-diversidade-e-a-liberdade-entrevista-especial-com-wagner-lopes-sanchez. 
VIEIRA, David Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1980.




[1] Sobre o assunto, Fletcher afirmou que em 1856, dois anos após sua viagem aos Estados Unidos, tivera “a satisfação de saber que novos laços de reciprocidade tinham sido iniciados, que livros escolares haviam sido feitos para o Brasil em estilo americano, e que milhares de dólares foram depois de 1865 empregados na compra dos artigos que expus”. (Kidder e Fletcher, 1941, p. 277- Itálico meu).
[2] - Há muito tempo Conceição estava inquieto com o tipo de catolicismo vigente no Brasil, que dentro de sua perspectiva necessitava urgentemente retornar ao Evangelho. Por causa de sua enfase numa pregação acentuadamente bíblica recebeu a alcunha de "Padre Protestante" e por diversas vezes foi deslocado pelo Bispo da Diocese para outras paróquias e cidades no interior de São Paulo (Limeira, Piracicaba, Monte-Mor, Taubaté, Ubatuba, Santa Barbara e Brotas), o que após sua inserção no presbiterianismo veio a se consistir em um roteiro perfeito para sua pregações evangélicas protestante.
[3] - Esta postura quase independente de Conceição, não seguindo a cartilha evangélica eclesiástica dos missionários americanos vai produzir dois efeitos conforme análise feita por Clara Mafra: primeiro contagiou alguns  dos jovens pastores nacionais que se inspiravam nele para também descartarem os excessos de conceitos de usos e costumes que estavam embrenhados no protestantismo americano; segundo que muitos missionários criticavam as comunidades abertas por Conceição, que segundo eles eram completamente carentes de uma estrutura teológico-pedagógica eficaz, de maneira que muitos membros acabavam sendo cooptados novamente pelo catolicismo romano. (2001, p. 21-22).

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